Praia

148758_1013872271957198_6249754615775943648_n

Praia das Avencas, Parede

Queridas Senhoras,

todas as minhas memórias de praia mais antigas estão ligadas à Costa da Caparica. Primeiro, talvez, o cheiro da brisa ao final do dia, por entre os pinheiros, no parque de campismo, misturado com o aroma dos grelhados (um cheiro que me faz, até hoje, idealizar isso de “acampar”). Havia também o cheiro característico das gelatarias da Costa e o sabor dos gelados que tinham qualquer coisa a ver com a raridade: era uma coisa de Verão e só de alguns dias. A seguir (devia ser bem mais crescida) vem a memória das ondas, do mar imprevisível, e eu lá no meio. Também me lembro dos ocasionais dias de mar calmo e águas tépidas, dias de regozijo interminável. Gozei tudo isto sem ter grande consciência do desordenamento da Costa, dos perigos daqueles parques atulhados e, naturalmente, do que havia de suburbano em tudo isso. Vivia na Amadora, tinha tenda na Costa. Eram os anos 80 em toda a sua glória.

Mais tarde, no início da adolescência, praia continuou a ser sinónimo de Costa da Caparica, de longos Verões de L123, jornadas de dia inteiro e mochila às costas. Camioneta para Belém, barco para a Trafaria (o cheiro enjoativo à chegada, no cais, agonia que o ar salgado de S. João haveria de dissipar), autocarro ou caminhada até à praia. Estávamos no final dos anos 80, o protector ainda não era indispensável (o bronzeador de cenoura fazia sucesso) e julgo que ninguém sabia quais eram as “horas perigosas”.

A seguir, com um pouco mais de liberdade, veio a época áurea da Costa Alentejana. A Zambujeira, claro, mas também a aventura de descobrir praias menos frequentadas ou desertas ao longo de toda essa faixa litoral. Devíamos andar pelos 18, 20 anos, já havia alguns carros, e toda a gente acampava. Presumo que a grande febre da Costa Alentejana e Vicentina tenha começado nessa altura. Com a autonomia adquirida, a praia torna-se o próprio prazer da descoberta de praias diferentes, um dia aqui, outro ali, sem horas ou obrigações.

Uma grande, enorme viragem dá-se com a chegada dos filhos. A partir daí a praia nunca mais será igual. Os cuidados para as primeiras idas à praia são mais exigentes do que a admissão à faculdade. Aborda-se a questão com semanas de antecedência, munimo-nos de tudo o que é necessário e do que nunca será também. O protector infantil-pediátrico-ecrã-total-bloqueador-do-sol é encomendado quase na estação anterior. No dia aprazado para a investida, a criança é literalmente barrada com tal argamassa, sobre a qual enverga a t-shirt que não deverá despir em caso algum. Fazemos meia-hora de praia efectiva, o que nos deixa prostrados o dia inteiro, bebé incluído. "A praia cansa muito."

Passada esta fase inicial, e as mil cautelas que é preciso ter com um bebé na praia, um ou dois Verões depois a questão já é quase inversa. “O menino/a menina precisa de muita praia!”. Normalmente depois de um Inverno longo, cheio de gripes e constipações, otites e faringites, o pediatra recomenda “praia, muita praia!”. E desta vez é praia a sério, com mergulhos completos para produzir o efeito desejado. É altura em que “ir à praia” é prescrição médica e é preciso obrigar as pobres crianças a enfiarem-se de cabeça na água fria. Os tempos da praia despreocupada estão bem longe.

Com o passar do tempo, enfim, tudo se normaliza. Os cuidados são relativizados, os horários flexibilizam-se e começamos a entrever a possibilidade de gozar umas horas de praia à antiga. Recuperamos então prazeres que julgávamos perdidos, o gozo de nos estendermos ao sol depois de um mergulho nem que seja por dez minutos. Ficarmos até um pouco depois das onze, no limite até ao meio-dia, sem nos sentirmos irresponsáveis e indignos.

Este fim-de-semana, em duas idas à praia na linha de Cascais (é raro ter coragem para voltar à Costa), de quem eu tive inveja foi dos velhos. Deitados nas rochas, absorviam o iodo e os raios de sol matinal com tal fervor e entrega que nada parecia poder desviá-los desse propósito. Alheios a tudo, como dizia a canção.

Depois de anos a queixarmo-nos disto e daquilo, do trânsito e das canseiras, julgo que será por essa altura que voltaremos a gozar os nossos melhores dias de praia.

Beijinhos a todas,

Céu

 

 

 

Comentários