A terra é tramada

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Queridas Senhoras,

não é bom fazermos alarde da ignorância mas vamos aos factos: nunca tinha lido nada de Possidónio Cachapa e o nome pouco significado tinha para mim. Sei agora que Materna Doçura, publicado em 1998, foi um celebrado primeiro romance, que houve outros, que há sete anos não publicava e que o muito aguardado Eu Sou a Árvore foi acolhido com pelo menos uma crítica bastante demolidora (e esta outra bem mais amena).

Disto tudo tive conhecimento depois de ler o livro. Antes de iniciar a leitura, não sei se pelo nome do escritor, pelo título do livro, pela aura que rodeou o seu lançamento, esperava uma obra muito introspectiva, filosófica, “difícil”.

Pois bem, Eu Sou a Árvore é um livro límpido, que se lê de uma penada, avidamente, com grande desejo de saber o que aconteceu e o que vai acontecer. Narrativa pura. Dizer que trata de “relações familiares” não é grande spoiler. A família é um grande tema literário, para mim dos melhores, e nunca cansa. Quando leio que determinado livro aborda as “relações familiares” sinto logo aquele frémito de curiosidade um pouco perversa. Porque a família, quer a nuclear – pai, mãe, filhos - quer a mais alargada, é tramada. Logo dá grandes tramas.

Vejamos. No centro do enredo temos Samuel e Jude (de Judite), o casal que se encontra numa noite de Santo António logo após o 25 de Abril e que vem a gerar três filhos: Laura, Esperanto e Vitória. Vamos andar de roda destas cinco personagens, para trás e para diante, juntas e separadas. Sobretudo separadas, cada uma na sua absoluta e perfeita solidão.

As longas e densas reflexões que tinha imaginado, não as encontrei. As grandes abstracções e a ausência de referências concretas que iriam pesar a leitura, ainda menos. Logo ao segundo capítulo estamos bem enraizados, num apartamento nas falésias de Sesimbra. Sesimbra? Também não estava à espera de um local assim tão próximo, tão definido.

Assim é. O território é elemento central no livro. Samuel é um rapaz de Lisboa que um dia vai ao Alentejo e decide que a sua vida há-de ser ali. Com ele leva a loura e esbelta Jude, de saia e cabelos compridos, cuja juventude e alegria ficam em Lisboa, numa noite de Santo António. À medida que lavra, aprofunda e conquista a terra, Samuel perde a capacidade de sequer tocar a família. Há-de ser cada um por si.

Beijinhos a todas,

Céu

 

Comentários

  1. [...] providenciais estes, que me acudiram quando esgotei a provisão que havia levado (a Lucia Berlin, o Cachapa e o quarto volume da saga [...]

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