Mães desnaturadas

Queridas Senhoras,

quase todos os meus livros da Elena Ferrante estão desaparecidos. É da natureza dos livros, somem-se. Sobretudo os bons. É sinal de que circulam, são cobiçados, desejados, lidos e relidos. Não me importo demasiado com isso, fico até contente com essa vida extra que os "meus" livros ganham, mas tenho pena de ter perdido de vista Crónicas do Mal de Amor, o volume de três novelas, tão falado aqui no blogue e que nos dá sempre novos motivos para voltarmos a ele.

Desta vez é a brilhante adaptação de Maggie Gyllenhaal da novela A Filha Obscura, que no  filme se torna A Filha Perdida. Quem leu a trilogia dos males de amor sabe que estas histórias e estas personagens ficam connosco para sempre. Lembram-se de Leda, a professora que passa férias numa vila costeira, onde divide a praia com uma família ruidosa que a tenta intimidar, enquanto recorda o tempo em que as suas filhas eram pequenas? Olivia Colman é Leda.

A primeira razão para nos sentimos envolvidos é sermos de imediato transportados para o ambiente, as atmosferas, as respirações de Ferrante. Desde logo a violência latente, expectante. A sujidade, a podridão. A linguagem obscena. O hábito de submissão das mulheres e de domínio dos homens. Os olhares de medo. A intimidação.

A segunda razão, e para quem gosta de Elena Ferrante pela forma como ela aborda a maternidade, é que o filme vai fundo nessa narrativa. Todos os leitores de Ferrante sabem como ela escava nas feridas das nossas emoções ambivalentes em relação ao que significa ser mãe. Há duas ou três cenas em que o choro de uma criança é capaz de provocar um colapso nervoso numa mãe mais sensível. Partindo do princípio que uma mãe de crianças pequenas tem folga ou cabeça para ir ao cinema. Nina, a jovem mãe, pergunta a Leda se isto alguma vez passa. Isto é a depressão, o cansaço, a culpa, o esgotamento, o vazio.

Sou uma mãe desnaturada, diz Leda, a sobrevivente. Pensávamos que tinhas morrido, dizem-lhe as filhas, adultas, pelo telefone. Não, estou viva!

Céu

Comentários