É de família

69014

Queridas Senhoras,

a Alice tem-nos surpreendido com os seus textos bem escritos, imaginativos, com um vocabulário amplo e frases complexas. É, sem dúvida, fruto das muitas e variadas leituras que ela faz desde pequena. Mas também terá alguma coisa a ver (e aqui perdoem a imodéstia pela parte que me toca) com uma veia que corre nos Coutinhos.

Há um lado instrospectivo, ensimesmado (nós dizemos “sorumbático”) neste ramo da família que a Alice herdou. De mim, do meu Pai, do avô João. Somos de poucas falas, um pouco toscos e inaptos socialmente. Daí que se calhar, o que não dizemos, escrevemos. Daí que a Alice comunique pouco, em ambientes sociais, mas depois escreva coisas que nos deixam de cara à banda.

Serve este introito altamente imodesto, para vos apresentar a tia Zeca, irmã do meu Pai e da tia Odete. A Zeca vai fazer 75 anos e é a nossa tia zen, hipster e mais dois ou três rótulos ainda por inventar. Pratica yoga e tai chi, vive no bairro da Graça, trabalhou durante muito tempo em actividades de animação com idosos e tem um dom especial com crianças.

Para alegria de todos, a tia Zeca resolveu escrever algumas das suas recordações de infância e juventude, condensadas em pequenas histórias que retratam episódios, personagens, lugares, ligados à nossa aldeia comum – a Aldeia Viçosa.

Através dos seus contos singelos (que devorei na primeira noite e agora vou contando aos poucos aos miúdos, para os fazer durar), viajamos até à oficina do avô João, onde este exercia a bonita profissão de sapateiro. A oficina ficava na loja e assim aprendemos que “loja” é uma parte da casa tradicional beirã, que fica em baixo. Lá em cima, ouvimos a avó Céu afadigar-se de roda dos tachos. Não que fosse muito apreciada pelos seus cozinhados, pelo menos pelo avô João que se queixava da pouca “sustância” dos mesmos. Em contrapartida, ela criticava os excessos dele, dizendo que era um "arrastador" (o mesmo que gastador, esbanjador).

Viajamos mais atrás e vemos essa figura glosada por todos, que eu já não conheci mas que tem chegado até nós através das histórias das tias – a avô Amália (minha bisavô). Descrita como esperta, viva, sabida, cheia de artimanhas, é um regalo revê-la, descobri-la mais um pouco através dos relatos da tia Zeca. Ouvir histórias é bom. Melhor ainda é tê-las escritas, guardadas, impressas, prontas para a geração seguinte.

Obrigada, tia Zeca!

Beijinhos a todas,

Céu

Comentários