Cinco canções de melancolia




Queridas Senhoras,

Kazuo Ishiguro, um japonês a viver em Inglaterra desde tenra idade, era um autor desconhecido para mim. Este livro, Nocturnos – Cinco Histórias sobre Música e o Cair da Noite, foi-me oferecido por um especialista na matéria, digamos assim.

Foi, pois, com um misto de curiosidade e reverência que me pus à descoberta do universo deste escritor, com vários romances publicados, através de um género pelo qual tenho particular admiração, o conto.

Os cincos contos têm vários pontos em comum e chegam a partilhar personagens e lugares, como a cidade de Veneza. A música é a ligação entre todos, nomeadamente pela existência, em quase todos, da figura de um jovem músico a batalhar pelo reconhecimento. O tom é melancólico mas por vezes surpreendentemente humorístico.

No primeiro conto, Crooner, um jovem que toca numa orquestra de rua avista na mesa da esplanada, um antigo ídolo da sua mãe, cujas canções a ajudaram a sobreviver. Não resiste a meter conversa com o velho crooner e a ligação que se estabelece entre eles dará origem a uma noite tão mágica quanto triste nos canais de Veneza, numa gôndola, debaixo da janela aberta de um palazzo. Lá dentro, uma mulher chora ao escutar a música que sobe até ao quarto.

A segunda história, Faça chuva ou faça sol, é a mais desconcertante e divertida, com situações a raiar o absurdo e a mascarar o fundo trágico. Um professor de inglês a viver no estrangeiro, visita em Londres um casal amigo de longa data, que atravessa um momento de crise. O seu papel, assim lhe exige o amigo, é mostrar-se tão falhado e desesperado quanto possível para que, aos olhos da mulher desiludida com o casamento, o marido lhe pareça bastante aceitável e até bem-sucedido. Em momento algum o professor deverá manifestar o seu excelente gosto musical, matéria que o uniu à mulher na juventude. A mise en scène, dirigida à distância pelo marido em apuros, passará por colocar uma velha bota em água a ferver e ficcionar o ataque de um cão à sala de visitas.

O absurdo trágico surge também no quarto conto, Nocturno, em que um músico, possuidor de uma “fealdade do tipo errado” aceita submeter-se a uma cirurgia plástica orquestrada pelo seu agente e paga pelo amante da mulher, como uma espécie de indemnização.

Em Malvern Hills, um jovem aspirante a músico decide passar o Verão nas colinas, ajudando a sua irmã e o cunhado no café que estes mantêm na zona. Nos intervalos busca inspiração para compor as suas canções. O modelo de outros contos repete-se e o rapaz vai intervir também na vida de um casal de turistas em passeio pela região.

O último conto, Os Violoncelistas, regressa a Veneza para nos dar o retrato de umas estranhas lições de violoncelo que decorrem numa suite de hotel. Tudo parece indicar que o aprendiz é o jovem do primeiro conto. A professora é uma elegante senhora obcecada com o verdadeiro talento.

A princípio, estes contos de Ishiguro fizeram-me lembrar as deambulações por Paris à maneira de Modiano. Só depois reparei que nenhuma das histórias tem lugar em Paris. E os enredos nunca são tão elípticos como os do Prémio Nobel de 2014. O tom é melancólico, sim, mas há humor, uma certa esperança e uma resignação não demasiado triste. A vida continua e a música também. O que é sempre uma alegria.


Beijinhos a todas,

Céu

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