Pequenos contos entre o bem e o mal

highsmith

Queridas Senhoras,

releio uma das minhas primeiras escritoras preferidas, Patricia Highsmith. O livro é Contos Póstumos e realmente não sei se releio, parece-me que não conheço estas histórias. E não são todas tão perversas e sombrias como me recordava. Algumas chegam a ter notas de esperança.

Logo no primeiro conto, Um pássaro na mão, um homem tem um passatempo estranho (um clássico em Highsmith, gente com hobbies esquisitos). Apanha ou compra papagaios para depois os devolver a pessoas que perderam bichos idênticos e receber a recompensa. O seu “crime” é desculpado quando se percebe que o acto contribui para fazer famílias felizes.

Em O melhor amigo do homem, a excelência moral de um cão começa por envergonhar o dono, que se sente inferiorizado, para depois funcionar como incentivo para o homem se tornar uma pessoa melhor.

A famosa misoginia de Highsmith (Pequenos contos da misoginia) está presente mas nalgumas histórias o triunfo das mulheres é total e os homens são uns pobres diabos, loucos ou infelizes. Em Os retornados, o regresso à pátria torna-se uma desilusão quando o marido resolve retomar velhos hábitos com a antiga amante. É o sinal para a mulher partir, mais feliz do que nunca, despedindo-se do marido como se fosse já “um monte de pó.”

Falhado nato é um perfeito conto de bem-aventurança e podia ser dado na escola a meninos da quarta-classe. Um homem bom luta toda a vida com perseverança e honestidade mas tudo lhe corre mal. Quando herda inesperadamente uma pequena fortuna para logo a perder num estúpido infortúnio, descobre que tem tudo o que pode querer, o amor da mulher, a amizade da sua comunidade.

Um passatempo perigoso relata a obsessão de um homem que odeia mulheres. Entretém-se a escolher mulheres de sucesso com as quais estabelece contacto. Tenta ganhar a confiança delas para depois as espoliar de um pequeno mas valioso objecto.

Outro obcecado protagoniza Quem é que é louco?, em que um empregado dos correios enfadado preenche os dias matando mentalmente os colegas. Quando estes lhe dirigem a palavra é fácil retorquir “Estás morto.”

O segundo cigarro trata a questão clássica do duplo. Um homem com sérios problemas de auto-estima vê-se atormentado por uma visão irónica de si próprio que o confronta com os seus falhanços nos momentos mais inconvenientes.

Um homem recorda durante vinte anos uma antiga paixão de juventude. Um dia depara-se com uma rapariga que é a imagem perfeita da mulher amada. Em Uma rapariga como Phyl um sonho acalentado durante anos desfaz-se perante a visão de um rosto balofo, quando a mãe da rapariga aparece.

Um homem não suporta aquilo que o casamento e a maternidade fizeram à sua mulher. Depois de tentar algumas experiências, incluindo propor à mulher um novo amante, resta-lhe uma solução. Um crime é talvez o conto mais negro desta série, um retrato doentio da crescente asfixia e violência dentro de um casamento.
Todavia, Lee não procurava chamar a atenção, nunca o tinha feito nem precisava disso. Talvez os homens achassem o seu olhar namorador, mas Lee não podia andar de olhos fechado o tempo todo. (pp. 219)

Beijinhos a todas,

Céu

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