Dias de Verão

Queridas Senhoras,

estas férias fui mordida por um cão. Nada de grave, foi mais o susto. E mais um sinal do universo de que sou vulnerável. Já fui atropelada, apanhei covid e fui mordida. Já percebi, ó universo, não acontece só aos outros! Agora deixa-me lá sossegada. Por isso gosto tanto, e cada vez mais, de rotinas e dias iguais. Um dia sem surpresas é um dia perfeito. Já disse aqui algures que o MEC explica isto na perfeição. Um dia em que não nos dói nada, por exemplo. Vale ouro.

Desde há muitos anos habituei-me a um certo restaurante onde vamos sempre nas férias e, com o meu perfil obsessivo, mitifiquei o local, a experiência. É um restaurante perfeitamente trivial, de cozinha portuguesa. Só que tudo é sempre muito bom, o ambiente, a comida, o atendimento, o preço. Não há uma falha, um imprevisto (minto, às vezes não há sardinhas, mas aprendi a lidar com isso). Nada me impacienta, como noutros restaurantes. Os meus filhos gozam comigo, claro, chamam-me tresloucada. Cá vos espero. Um dos novos humoristas, o Carlos Coutinho Vilhena, diz numa entrevista que o que mais teme é ficar velho de cabeça, desconfiar das modernices. Acho que aos 25 anos já era velha. Nessa época custou-me começar a usar telemóvel e ainda hoje não entendo a utilidade de "fazer tudo" através do telemóvel. Nas filas de espera, nas viagens de comboio, nos jardins há cada vez menos gente a ler. Ganha-se muito tempo porque se "faz tudo" pelo telemóvel, mas o que se faz com o tempo que sobra? 

A Ivone Mendes da Silva não aceitou o meu pedido de amizade. Mas apanhei um comentário dela a um post, com a recomendação do livro As Lojas de Canela, do Bruno Schulz. Já fui buscá-lo à biblioteca. Que stalker. Nas férias li cinco livros. A Shirley Jackson é a minha escritora preferida, acho que posso dizê-lo com frontalidade. Li O Homem da Forca, perturbador. Li o Rebecca da Daphne du Maurier e achei um romance perfeito. Dela li também os contos, incluindo Os Pássaros, e senti-me totalmente em casa. Ambientes parecidos com os da Shirley Jackson, mas esta sempre mais inquietante. Li o thriller da moda do Verão, A Anomalia. Não está mal, não chateia, mas o que vale ao pé daquelas duas escritoras? A Marta ofereceu-me As Pequenas Virtudes, da Natalia Ginzburg, um conjunto de textos autobiográficos. A Marta foi a pessoa que eu mais massacrei acerca dos diários da Ivone Mendes da Silva. Valeu a pena. A Marta também me aconselhou a série que começou ontem na 2, Último Tango em Halifax. Nem discuto. Da biblioteca trouxe ainda todos os outros livros da Daphne du Maurier.

A água do mar esteve sempre gelada, acho que ainda está, mas a do rio esteve magnífica.

Estou uns dias sozinha em casa e, como sempre, disfruto mas estranho a frugalidade. Lavo a roupa à mão porque a máquina levaria semanas a encher. Compro um pão, mas fica sempre duro antes que o consiga acabar. E se eu como pão. Dispenso todos os cozinhados. Cozo ovos. Parece-me perfeitamente razoável viver de ovos cozidos e bananas, e um desperdício todo aquele tempo que habitualmente dedicamos à cozinha. Só lavo louça a cada três ou quatro refeições, antes disso parece inútil. Não chego a arrumar a roupa que apanho do estendal. Mas gosto de fazer a cama.

Se não fossem as pessoas que passeiam os cães, não havia ninguém nas ruas depois das 21h. Fui mordida, mas não ganhei medo aos cães. Fazem muita companhia, as pessoas que passeiam os cães. Os outros caminhantes ocasionais não são suficientes para tornar as ruas seguras. Alguém assobia, não vejo quem, e torna-se num pouco sinistro.

Continuação de bom Verão.

Céu

Comentários

  1. A Ivone Mendes da Silva não sabe o que perde. Bom resto de Verão!

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