Menopausa e nonsense, ou a difícil arte de bem disparatar

Queridas Senhoras, 

vimos ontem o primeiro episódio da nova série da RTP1 Até que a Vida nos Separe, escrita por Tiago R. Santos, João Tordo e Hugo Gonçalves. A Alice não ficou convencida, o João acha que tem hipótese, eu gostei do tom geral, mas fiquei de pé atrás com alguns clichés. Já lá vamos. 

A nova série não tem o brilhantismo de Sara (realização de Marco Martins, que também assina o argumento com Bruno Nogueira e Ricardo Adolfo), que elevou o patamar das expectativas em relação à nova ficção nacional, mas tem alguma da loucura, da ousadia, do nonsense, que nos cativou nesse marco inesquecível protagonizado por Beatriz Batarda e Nuno Lopes, com secundários também fabulosos (Albano Jerónimo, Bruno Nogueira, Rita Blanco, Tónan Quito).

Neste primeiro episódio conhecemos a família Paixão que vive do negócio do casamento (gerem uma quinta de serviço completo), e sobretudo Vanessa Paixão (Rita Loureiro), mulher de meia-idade atingida por uma menopausa atribulada. Foi o retrato desta personagem que me causou alguns frenicoques. Tenho cada vez mais dificuldade em identificar-me com as representações que a ficção apresenta da chamada meia-idade, das mulheres maduras, ou como queiram apelidar esse perfil.

Pergunto se o facto de a série ser escrita por homens terá algo a ver com isso. Para além de tiradas de franco mau gosto (a amiga ginecologista de Vanessa, que anda de caso com o prof. de yoga vinte anos mais novo, comenta "para os homens da nossa idade somos mercadoria estragada, para os mais novos somos um fetiche"), estou um pouco cansada dessas representações apocalípticas da mulher de 50 anos, atormentada pelo envelhecimento, e questiono se essas visões não estão completamente enviesadas pelo olhar masculino. Tenho 46 anos e não me identifico minimamente com as representações que vejo na maior parte das séries e filmes, e também em alguma literatura, acerca das mulheres da minha idade.

Não estou a negar que a menopausa e o envelhecimento existam, e sejam causadores de perturbações (Vanessa sofre horrores com os afrontamentos, e entra em delírios em que se vê como objecto de desejo por parte de mecânicos e estranhos em comboios). Estou a dizer que acho isso redutor, e que as mulheres aparecem na ficção demasiadas vezes reféns do corpo e do olhar masculino sobre esse corpo. 

Posto isto, estou totalmente disponível para assistir aos próximos episódios de Até que a Vida nos Separe, e bastante curiosa acerca de outros clichés, nomeadamente sobre o corpo masculino. Porque no primeiro episódio aprendi, numa cena memorável entre Albano Jerónimo e Dinarte Branco, que a partir dos 40 "os testículos descaem meio centímetro por ano."

Até para a semana,

Céu

Comentários