O que me faz correr

Ilustração: Alice Gomes

Queridas Senhoras,

outra vez domingo, mais um dia de corrida, o 16.º consecutivo. Como já contei aqui no blogue, comecei a correr já depois dos 35, para substituir a natação que implicava pegar no carro e perder muito tempo, enquanto a corrida está sempre à porta de casa. Desde então tenho corrido com regularidade, excepto nos períodos em que fui obrigada a parar. Durante uns anos, talvez quatro ou cinco, mantive o hábito de correr pelas sete da manhã, antes de ir trabalhar. Depois abandonei essa rotina um pouco agressiva porque o grande prazer da corrida, para mim, tem a ver com a luz do dia, manhã alta, de preferência cheia de Sol. 

No dia 26 de Maio de 2019 fui atropelada. A recuperação da mobilidade não foi demorada, mas um problema no joelho impossibilitou-me de regressar à corrida durante longos meses. Em Outubro do mesmo ano fui submetida a uma cirurgia para corrigir o problema. Vários meses de recuperação, fisioterapia, regresso lento à actividade normal. Em Março de 2020 entrou a pandemia. Nessa Primavera comecei a alternar entre caminhada e corrida, para perceber como o joelho reagia, qual o estado das minhas capacidades. Ao longo do Verão e do resto do ano, cumprindo os confinamentos, nunca deixei de fazer as corridas higiénicas, progredindo sempre. Sem dores, joelho bem comportado, mas ritmo bastante lento, com receio de fazer asneira. Nova interrupção em Janeiro de 2021 com a visita da covid.

Corro normalmente todos os fins-de-semana e feriados, e nos períodos em que estou totalmente livre, todos os dias (livre por boas razões, como em férias, e menos boas, como desemprego ou layoff). Assim cheguei a Fevereiro, mês em que tenho corrido todos os dias, sem falhar um. Com mais confiança, comecei a puxar mais por mim. A fazer contagem de tempo e quilómetros. Não estou a competir com ninguém, nem sequer comigo própria. Mas queria perceber o custo do acidente, das paragens, da idade. Logo nos primeiros dias senti que estava ao meu alcance correr uma hora (no período anterior não ultrapassava os 45, 50 minutos). E o que sou capaz de correr nesses 60 minutos são sete quilómetros (antes do acidente, seriam nove, dez). Nada mau.

Nos últimos dias tenho chegado aos 7,5 km. Sem dores. E a sentir-me incrivelmente bem no fim. Uma bombada de endorfinas espectacular. O joelho não dói nada e aguenta bem. O fôlego resiste. O vírus não deitou nada abaixo. E a sensação é de força, energia, agilidade, movimento. É a busca desta sensação que me faz correr. É também uma fuga para a frente. Fujo do acidente, da fragilidade, da imobilidade, do confinamento, da ameaça, da doença. De tudo o que me possa restringir a liberdade.

Até para a semana,

Céu

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