As zonas neutras e os ausentes

1507-1

Queridas Senhoras,

tal como prometido no post anterior, queria falar-vos do No Café da Juventude Perdida, o segundo Modiano da minha vida, lido logo a seguir a Um circo que passa.

Os dois livros são extremamente parecidos. O mesmo cenário (as ruas, os bairros, os hotéis, os cafés de Paris), personagens idênticas (jovens temporariamente à deriva). Gostei mais deste último. É mais “livro”, temos mais informação, mais enredo, personagens mais densas.

O mais fascinante é a descrição da teoria das zonas neutras e dos ausentes que as habitam.

"Lembrei-me do texto que tentava escrever quando conhecera Louki. Intitulara-o As Zonas Neutras. Existiam em Paris zonas intermédias, no man’s land, em que nos encontrávamos na orla de tudo, em trânsito, ou mesmo em suspenso. Zonas que proporcionavam uma certa imunidade. Poderia chamar-lhes zonas francas mas neutras era mais exacto. (…)" (p. 82)

"A rue d’n Argentine, onde eu morava num quarto de hotel era de facto uma zona neutra. Quem poderia ali descobrir-me? (…) Disse-lhe que tinha a certeza que o tipo morava da minha rua, como dezenas de outros, também declarados «ausentes»."(p. 83)

"«As zonas neutras têm pelo menos esta vantagem: são apenas um ponto de partida e, mais tarde ou mais cedo, abandonamo-las.»" (p. 84)

Qual é o fascínio destas zonas neutras? São universos paralelos (essa expressão aparece a dada altura, julgo). Mas muito acessíveis, basta transpor uma rua, uma ponte e atravessa-se uma fronteira invisível. Onde o tempo não conta e podemos caminhar para sempre.

"Caminhávamos sem objectivo preciso, tínhamos toda a noite à nossa frente. (...) Os locais não tinham importância nenhuma, confundiam-se uns com os outros. O único objectivo da nossa viagem consistia em ir AO CORAÇÃO DO VERÃO, onde o tempo pára e onde os ponteiros do relógio marcam sempre a mesma hora: meio-dia." (p. 93)

As zonas neutras são refúgios, abrigos, exílios. Conferem imunidade, quase invisibilidade a quem as habita. O tempo não passa, dilata-se. Na eternidade é sempre Verão.

Beijinhos a todas,

Céu

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