Os escritores falam às Senhoras: Rui Cardoso Martins


Queridas Senhoras,

o nosso convidado de hoje é uma pessoa por quem tenho um grande sentimento de confiança e empatia. Como isso aconteceu, não será novidade para quem acompanha este blogue. Nasceu da leitura das crónicas de tribunal, publicadas ao longo de quase 20 anos no jornal Público, e depois reunidas em dois volumes, Levante-se o Réu (2015, Tinta da China) e Levante-se o Réu Outra Vez (2016, Tinta da China). Refira-se que o autor retomou, entretanto, esse nobre ofício de cronista de tribunal, desta vez no Jornal de Notícias onde assina um texto semanal desde Abril de 2017. Sobre a minha relação com esses livros falei aqui e aqui.

Da sua autoria, li também três excelentes romances: E Se Eu Gostasse Muito de Morrer (2006, Dom Quixote), Deixem Passar o Homem Invisível (2009, Dom Quixote, Grande Prémio de Romance e Novela da APE), Se Fosse Fácil Era Para Os Outros (2012, Dom Quixote). Falta-me ainda O Osso da Borboleta (2014, Tinta da China).

Rui Cardoso Martins (n, 1967) é jornalista, argumentista, autor de guiões de filmes (Zona J e Duas Mulheres, em co-autoria com Tereza Coelho) e peças de teatro (Filho da Treta, António e Maria, The Portuguese – a musical comedy, com Filipe Homem Fonseca, entre outras), constando que está a escrever uma peça a estrear brevemente no Teatro Nacional D. Maria II.

Podemos ainda acompanhá-lo semanalmente na Antena 1, à quarta-feira, na crónica O Fio da Meada, que o autor também transcreve na sua página de Facebook.

Senhoras e senhores, sou suspeita porque gosto mesmo muito dele mas vejam só a sensibilidade, o bom senso e a elegância das respostas de Rui Cardoso Martins ao nosso questionário:

1. Um livro seu que recomendaria a quem queira iniciar-se na sua obra

Depende da idade do leitor, mas para um grupo tão simpático de leitoras, creio que escolho o último romance, O Osso da Borboleta, onde uma mulher tem, creio eu, o papel principal e é a personagem mais forte. Purificação, antiga "Borboleta" de um casino, teve uma vida cheia num século de violências sobre as mulheres mas também de libertações, como foi o XX (depois de tudo o que sabemos dos séculos anteriores, e este século XXI não promete ser muito melhor...) De qualquer modo, Deixem Passar o Homem Invisível, a história de um homem cego e de uma criança que se salvam através de histórias que se contam durante um desastre em Lisboa, também me parece possível.

2. Três livros / autores fundamentais na sua existência

É uma pergunta tão difícil que vou responder com três russos que marcaram muito a minha formação: Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski (tem uma frase que me deu o título do meu primeiro livro, E Se Eu Gostasse Muito de Morrer), Guerra e Paz, de Lev Tolstoi (pela sua extraordinária grandeza) e Almas Mortas, de Gogol (pelo espírito de comédia negra e a incrível qualidade das imagens e diálogos).

3. Três livros que todas as crianças/jovens deveriam ler

A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, A Espuma dos Dias, de Boris Vian, Uma Agulha no Palheiro (ou, noutra tradução, À Espera no Centeio), de J.D. Salinger. Todas as crianças, todos os jovens e todos os adultos.

4. Um livro sobrestimado, que não merece a fama que tem

Sinceramente não me lembro de nenhum que mereça ser aqui lembrado, dando-lhe assim importância. Mas a lista havia de ser grande.

5. Uma sugestão cultural (filme, peça de teatro, concerto, exposição...)

Sugiro os filmes Dunkirk (sobre o desastre inglês e francês da praia de Dunquerque, no início da II Guerra) e A Hora Mais Negra (para percebermos o que está em causa quando falamos de nazismo e ditaduras e o papel de Churchill). O heroísmo comove-me, não consigo evitar. Sugiro ainda a peça Actores, encenada por Marco Martins, e que foi de Lisboa ao Porto e também, se houver novas reposições, António e Maria, onde tive o gosto de trabalhar os romances de António Lobo Antunes para a Maria Rueff, com encenação de Miguel Seabra. Acaba de estrear no Porto, em Serralves, e acabo de visitá-la, uma excelente exposição sobre a obra completa do pintor (e escritor) Álvaro Lapa.

6. Um programa e/ ou série de TV

Gosto muito da série da BBC O Planeta Azul e tenho visto que a aposta da RTP nas séries nacionais começava finalmente a dar alguns bons resultados. Espero que não se estrague tudo. Gosto muito da série americana House of Cards, mas com o afastamento  do actor Kevin Spacey não sei o que vai acontecer.

7. Uma livraria e/ ou biblioteca da sua preferência

Há em Lisboa a Ler Devagar e, no Porto, a Livraria Lello. Em Londres, há uma muito bonita que se chama Daunt Books. Em Paris, a Shakespeare and Company é onde vou sempre. Os livros nestes sítios — a elegância também conta — estão prontos a sair para boas mãos de bons leitores.

8. Uma sugestão de leitura para as Senhoras da Nossa Idade (i.e. dos 35 em diante)

Madame Bovary, de Gustave Flaubert (sem ironias).



Gosto tanto da identificação e do conforto de saber que já segui várias das sugestões aqui indicadas... Mas tenho muita pena de ter perdido a peça António e Maria.

Beijinhos a todas,

Céu

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