Os livreiros falam às Senhoras: Fernando Ramalho (Tigre de Papel)


Queridas Senhoras,

o ponto de partida para estas entrevistas foram as sugestões de livrarias dadas pelos escritores com quem falámos. Rui Zink sugeriu a Tigre de Papel, uma livraria com menos de dois anos situada na recém-revitalizada zona de Arroios, que parece fervilhar de novos lugares e acontecimentos. Em consonância com a agitação do bairro, a livraria que ocupa o nº 25 da Rua de Arroios aposta numa intensa programação cultural. Para este mês estão previstos debates, leituras, conversas, tertúlias, apresentações, cinema, workshops e performance para crianças. É obra. Fernando Ramalho, o livreiro, explica os comos e os porquês.

1. Quando e como se tornou livreiro?

No momento da abertura da livraria Tigre de Papel, em Junho de 2016.

2. Para si, o que é um livreiro?

Além de um vendedor de livros, penso que deve ser alguém razoavelmente conhecedor dos livros que vende e capaz de fornecer informações sobre eles, dar sugestões e esclarecimentos. Deve ser também alguém atento ao panorama editorial, para que, sobretudo em livrarias como a Tigre de Papel, seja capaz de seleccionar adequadamente os títulos que disponibiliza na livraria. Creio que dificilmente pode ser alguém que não goste de ler, ou que não esteja disponível para conversar sobre livros.

3. Como caracteriza a sua livraria?

Desde o início que concebemos a Tigre de Papel como um espaço com uma dupla identidade. Por um lado, entre Julho e final de Setembro, concentramo-nos sobretudo na venda de livros escolares. Temos sempre uma campanha de descontos nos manuais, bem como no material escolar, e apostamos na venda de manuais em segunda mão. Por outro lado, ao longo do resto do ano, somos uma livraria que alia a venda de livros à organização de uma programação regular de eventos – lançamentos de livros, conversas, leituras, projecções de cinema, actividades para crianças, etc. Entendemos a livraria como um espaço que deve ser capaz de juntar pessoas e proporcionar momentos de debate, reflexão e lazer. Quanto à oferta livreira, juntamos livros novos e em segunda mão. Os novos vêm sobretudo de editoras independentes, muitas vezes de dimensão reduzida, e de edições de autor. No que respeita aos livros usados, a oferta é mais ampla e procura responder à necessidade de não deixar os livros morrer, de os manter em circulação. Por fim, iniciámos no ano passado uma linha de edição de livros. Publicámos até agora três títulos: Lex Icon, de Salette Tavares, uma reedição fac-similada de um clássico da poesia experimental portuguesa, editado originalmente em 1971; A Vida entre Edifícios, do urbanista dinamarquês Jan Gehl; e Gravidez, uma novela gráfica de Júlia Barata.

4. Qual entende ser o papel das livrarias independentes nos bairros, vilas e cidades?

O papel principal será, seguramente, o de contribuir para um maior dinamismo do espaço público – uma característica, em geral, do comércio local. Especificamente enquanto livrarias, podem assegurar uma oferta livreira que não se justifica exclusivamente pela sua rentabilidade, mas que valoriza sobretudo a importância dos livros em si mesmos. É essa prática que permite a circulação e a visibilidade de edições que, de outro modo, menos hipóteses teriam para se dar a conhecer. Por outro lado, pela proximidade que assegura com os seus frequentadores, uma livraria de bairro tem muito melhores condições para se constituir como um espaço de encontro e reflexão do que as grandes cadeias de livrarias.

5. Quais são os principais clientes da sua livraria e o que procuram?

É difícil estabelecer um padrão. Durante o Verão, a procura concentra-se sobretudo nos manuais escolares. Ao longo do resto do ano, há algum equilíbrio entre pessoas que habitam ou trabalham no bairro e outras que vêm de outros lugares especificamente para procurar algum livro, participar num evento ou, simplesmente, visitar a livraria. Maioritariamente, a procura centra-se em livros de ficção, poesia, literatura infantil, ciências sociais e humanas, filosofia, política, etc. À medida que a livraria tem vindo a ganhar mais visibilidade, tem-se verificado uma participação crescente nos eventos que organizamos.

6. Em sua opinião, o que pode contribuir para formar mais e melhores leitores?

Ao contrário do que habitualmente se ouve dizer, não estou certo de que hoje se leia menos do que antes. O que é manifesto é que se lê, certamente, de modo diferente, mas não necessariamente menos. Por exemplo, quando alguém passa o dia inteiro a navegar no Facebook ou a trocar sms, chega ao final do dia e leu bastante! Trata-se, evidentemente, de um modo de ler que é muito diferente da leitura de um livro, em silêncio, numa biblioteca ou num jardim público. Encontro aqui vantagens e desvantagens. Mas sublinho dois aspectos deste modo de leitura que penso que deveríamos procurar combater. Por um lado, a máscara de objectividade e naturalidade com que as enormes torrentes de informação hoje circulam prejudicam a capacidade de filtragem e o espírito crítico. Por outro, a alta velocidade em que se desenrola a vida contemporânea obscurece a noção de que uma boa leitura – nos vários sentidos da palavra leitura – implica a quantidade certa de vagar. Precisamos, em suma, de readquirir a capacidade de pensar sobre o que lemos e precisamos de viver mais devagar.

7. Por último, pode recomendar-nos dois ou três livros importantes para si?

Os três primeiros que me vêm à cabeça:
O Processo, de Franz Kafka;
Ficções, de Jorge Luis Borges;
A Sociedade do Espectáculo, de Guy Debord.



Beijinhos a todas,

Céu

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