O que faz o teu género?



Queridas Senhoras,

para quem se interessa pelas questões de género e identidade, Middlesex, de Jeffrey Eugenides, é um verdadeiro pitéu. Para nós, Senhoras, picuinhas como somos, sempre a chatear com a história do feminismo, é um romance essencial. Andamos sempre à roda do mesmo e estamos ainda piores desde que nos infiltrámos na Capazes, mas que querem? Já se sabe que as mulheres são chatas e insistentes.

Ainda este fim de semana, porque não temos mais que fazer (e tanta roupa para lavar, tanto chão para aspirar!), resolvemos implicar com a Control que fez um post pobrezinho, com uns bonecos numa posição sexual conotada com a submissão da mulher e com um copy confrangedor a fazer referência ao “poder total do homem sobre a mulher.” Ora isto não choca em ofende. Só entristece. Porque é pobre, fraco e mau. Ponto final.

Só para dar mais um exemplo antes de voltar ao livro: a Fernanda Câncio assina uma reportagem no DN de ontem intitulada O último tabu. De que se trata? Mulheres que namoram com homens novos! Mas isto ainda é assunto? É sim, senhora. Entre vários testemunhos interessantes, destaco o de uma mulher que afirma que os homens da idade dela não lhe servem porque são precocemente envelhecidos, não se cuidam, são desinteressantes. Será que chegámos ao ponto em que os homens também descobrem como é difícil trabalhar, cuidar da casa, dos filhos, de si próprios, dar atenção às relações afectivas, sentir as marcas do envelhecimento e o declínio do poder sexual? Já chegámos ao inverso do cliché do marido que troca a mulher por uma mais nova? Consta que sim, há casos documentados. O tema deixará de ser assunto quando olharmos para um caso e outro exactamente da mesma forma.

«O sexo é biológico, o género é cultural». Calliope nasce como rapariga na Detroit dos anos 60. Mas há muito para ler antes de chegar a esse ponto e Middlesex é também o relato de uma grande saga familiar de imigrantes gregos que vêm para a América, fugidos da guerra, onde tentarão construir a sua vida, tornar-se americanos sem nunca perder a ligação às origens. Do ponto de vista da saga familiar é um grande livro.

A partir do nascimento de Calliope, é também uma história de crescimento, adolescência e formação. E continua a ser um grande livro. É no limiar da adolescência que Calliope começa a perceber que há qualquer coisa que não está bem. Tendo sido criada como rapariga, ela tem comportamentos e reacções de rapariga. Mas outras sensações começam a despontar. À sua volta as colegas vão-se transformando em mulheres. Regressam das férias com mamas que não estavam lá antes. As ancas arredondam-se, o corpo prepara-se para o que aí vem.

E o corpo de Calliope? É um mistério que ela terá de aprender a conhecer, a reconhecer nas suas especificidades, na sua quase absoluta raridade. Uma busca dolorosa, intensa, transformadora, que a levará a assumir uma nova identidade. Não mulher, não homem mas um género intermédio, um terceiro sexo. Uma evolução da espécie ou um regresso à origem, quando o género ainda não existe, ainda não sofreu condicionamentos culturais de qualquer tipo.

Beijinhos a todas,

Céu

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