À espera de nascer

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Queridas Senhoras,

nasci três meses depois do 25 de Abril mas tenho muitas recordações da época. Não acreditam? O ar era morno e sempre que se aproxima mais um 25 de Abril tenho essa sensação de brisa que dá um arrepio bom na pele. Eu não era nascida mas de resto ninguém estava morto e eram todos incrivelmente jovens. A minha mãe tinha pouco mais de 20 anos e a minha avó (que daí a nada havia de ir comigo às vacinas) era pouco mais velha do que eu sou agora. Dá para acreditar?

A minha filha às vezes pergunta-me se no meu tempo já havia isto ou aquilo (TV a cores, computador, metropolitano) e tem toda a razão. Já vou sendo antiga e a prova disso é que o tempo em que todos estavam vivos, jovens e sorridentes, aparece agora como uma fotografia esbatida, a preto e branco, num velho álbum mil vezes manuseado.

Mas sempre que chega Abril essas fotografias ganham vida, cheira a campos de flores na Primavera, a Maio maduro, a um vento que vem de longe e torna o ar mais doce. Há um frémito de vozes, mãos no ar, cabelos ondulantes e aqueles sorrisos.

O meu 25 de Abril é o meu pai a tocar à viola uma música do Zeca, é toda a gente a cantar, é os avós serem jovens como numa série antiga, é Lisboa de céu muito azul, ar fresco e limpo, pintada de cravos vermelhos. Todos estão lá, todos riem. E eu, feliz, à espera de nascer.

 

Beijinhos a todas,

Céu

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