Na hora da nossa morte



Queridas Senhoras,

o escritor britânico Julian Barnes tem 71 anos e, tanto quanto consegui apurar, encontra-se bem de saúde. Nada a temer (2008) é um livro de memórias, divagações, citações, conversas, reflexões, à volta de um único tema: a morte.

No entanto, não estamos perante uma obra lúgubre, longe disso. Há histórias familiares e memórias de infância, muitas curiosidades sobre a relação com o irmão mais velho, filósofo, que em bebé foi alimentado a biberão e aprendeu cedo a reter as fezes, enquanto Julian mamou e fazia cocó atrás do sofá, esfregando em seguida no chão o produto do seu feito.

Temos, portanto, bastante humor a tornar mais leve um tema tão pesado. O medo de morrer e o medo da morte (que são coisas diferentes). As visões dos crentes, dos agnósticos e dos ateus. Barnes vai intercalando histórias sombrias e divertidas, vai doseando a aflição e o terror, contrapondo com lições de vida (e de morte) instrutivas e inspiradoras, conselhos práticos, sábios ou simplesmente úteis, como este:

“A nossa única defesa contra a morte - ou melhor, contra o perigo de não conseguir pensar em outra coisa - está na aquisição de preocupações de curto prazo que valham a pena.”

Então é um livro de auto-ajuda? Isso é muito relativo. Para mim, quase todos os livros são de auto-ajuda, na medida em que me ajudam a viver melhor.

Há descrições de várias mortes de escritores e artistas, famous last words, reais ou imaginadas (ou desejadas), mortes fulminantes ou degradações lentas, gente que morre como viveu, gente que afinal não morre, peregrinações a cemitérios em busca de túmulos cobertos de líquenes e epitáfios rasurados.

Estranhamente, há pouca poesia. Nada que não se resolva com uma busca ao Lacre (está lá tudo).

Um homem não tem tempo

Um homem não tem tempo na sua vida
para ter tempo para tudo.
Não tem estações que cheguem para ter
uma estação para cada fim. O Eclesiastes
enganou-se a esse respeito.

Um homem precisa de amar e odiar ao mesmo tempo,
de rir e chorar com os mesmos olhos,
de atirar pedras e apanhá-las com as mesmas mãos,
de fazer amor na guerra e guerra no amor.
E de odiar e perdoar e recordar e esquecer,
de organizar e confundir, de comer e digerir
o que a história
demora anos e anos a fazer.

Um homem não tem tempo.
Quando perde procura, quando encontra
esquece, quando esquece ama, quando ama
começa a esquecer.

E a sua alma é experimentada, a sua alma
é profissionalíssima.
Só o corpo se mantém para sempre
um amador. Que tenta e falha,
desnorteando-se, sem aprender nada,
ébrio e cego nos seus prazeres
e dores.

Morrerá como morrem os figos no Outono,
engelhado e repleto de si mesmo e doce,
com as folhas a ressequirem no chão,
os ramos nus a apontarem para o lugar
onde há tempo para tudo.

Yehuda Amichai, tradução de Vasco Gato

Beijinhos a todas,


Céu

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