Os leitores falam às Senhoras: Susana Araújo (poetisa, ensaísta, ficcionista, investigadora e professora)
Queridas Senhoras,
Hoje trago-vos uma amiga do coração, uma amizade nascida naquelas idades que a Catarina F. Almeida tão bem retratou em crónica recente. Na verdade, conheci a Susi ainda antes dos 20. Acho que foi aos 17. Aos 17! E imaginem qual foi o primeiro livro que ela me deu a ler... um Diário de Anaïs Nin. Nunca mais fui a mesma. Não sei se se lembram, mas há pouco tempo tempo descobri que tinha cá em casa um livro que a Sandra Catarino me emprestara 25 anos antes. Já o devolvi, prometo! Mas fiquem sabendo que ainda tenho comigo o tal Diário de Anaïs Nin. Ao fim de quase 30 anos juntos, estamos preparados para nos separarmos de modo a que ele possa regressar a casa. Vamos agora à apresentações oficial: a Susana Araújo trabalha com investigadora e docente no Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo regressado a Portugal em 2008 depois de dez anos no estrangeiro. É autora do livro de poesia Dívida Soberana (Mariposa Azual, 2012), finalista do Prémio Revelação da APE (ouçam Carlos Vaz Marques sobre a obra); muitos dos seus textos (poesia e prosa) têm sido publicados em revistas, zines, antologias e outras publicações mais ou menos precárias, em Portugal e no estrangeiro. É autora de muitos ensaios académicos (o seu livro Images of Terror Narratives of Captivity, publicado pela Bloomsbury foi nomeado Outstanding Academic Title pela prestigiada revista Choice). Tira palavras em forma de espada da garganta e cospe fogo.
1. O que está a ler neste momento?
No kindle estou a ler vários livros em simultâneo: estou a terminar o livro de On Writers and Writting, de Margaret Atwood (gosto muito da Atwood mas, para além disso, tenho agora uma orientanda a trabalhar sobre textos dela e não tinha lido este livro); comecei a ler as Cartas de Luís de Camões – nunca as tinha lido e consegui-as agora em versão digital; também estou a ler um livro de ensaios do psicanalista Adam Phillips. Em papel acabei de ler Secesión, de Chus Pato, e comecei ontem a ler O Centro do Mundo, de Ana Cristina Leonardo.
2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?
O que li antes… sinceramente já não me lembro bem: tenho estado a ler vários livros do Adam Phillips uns a seguir aos outros….e estive a reler a poesia de Anne Sexton para as aulas que vou dar este ano. A seguir vou ler os Poetical Works, de Keston Sutherland, um livro que reúne a sua poesia publicada de 1999 a 2015. Também quero começar a ler o último livro de Rosa Oliveira (Tardio) e Canícula, de Daniel Jonas. Falarmos do que vamos/queremos ler não é fácil porque a lista é infindável e, no meu caso, muito mutável.
3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros
Mmm... bem... suponho que muita gente tenha histórias parecidas com esta mas aqui vai: lembro-me de um livro de infância que era sobre um coelhinho que tinha de entregar um cesto com ovos à avó mas punha-se a brincar com borboletas e acabava por se perder na floresta. Se não estou em erro, ficava com o pé preso numa pedra. Eu deveria ter 4 ou 5 anos na altura: achei arrepiante o facto de o coelho ter de passar a noite na floresta com uma pedra em cima do pé por isso obriguei a minha mãe a reescrever a história ao meu jeito: ela teve de escrever à mão (registar literalmente no livro) o final que eu achava mais apropriado. Não sei o título do livro (perdi todos os meus livros de infância) e já não o tenho… Mas quando o meu filho era mais pequeno sugeriu-me uma coisa parecida: eu costumava ler-lhe o livro Lágrimas de Crocodilo, de André François. O meu filho odiava a parte em que a mãe do crocodilo via, chorosa, o filho ser caçado, colocado numa caixa e levado num barco do Egipto para França. Por isso – a seu pedido – também acabei por ter de desenhar, em várias páginas do livro, a figura da mãe do crocodilo (com chapéu e tudo) a partir com o filho nessa viagem para Paris. O livro já era surreal, ficou mais surreal ainda.
4. Que livros marcaram a sua adolescência?
Lolita, de Nabokov (risos) e Sinais de Fogo, de Jorge de Sena. Roubei a edição/tradução portuguesa de Lolita ao meu pai e li-o precisamente quando tinha 13 anos e estava a passar férias com as minhas primas. É um livro que continua a ser controverso… Há quem chegue a defender nos EUA que este livro não deveria ser usados nas aulas (estou a falar de universidades americanas e não escolas Iranianas… mas já agora recomendo o livro de Azar Nafisi, Reading Lolita in Tehran). A censura é uma coisa muito perigosa e continua a assombrar-nos. Acredito que é preciso reconhecer e pensar no que é que continua a seduzir os leitores e as leitoras deste livro. Na minha opinião, apesar de todas as narrativas carregarem cargas ideológicas, o processo de identificação nunca é linear. E, num livro ou num filme, isso complica a relação que uma leitora ou leitor poderá ter com determinada personagem, acção e cenário, etc.
Como sugere o trabalho de Laplanche e Pontalis, no domínio psíquico da fantasia o processo de identificação é sempre mais complexo e permite ao sujeito assumir várias posições: podemos identificar-nos não apenas com personagens e situações que sabemos ser moralmente “estranhas” mas identificamo-nos, também, com personagens e situações contraditórias. Precisamos da ficção, da literatura e da poesia para nos desconcertarmos e -- se quisermos-- compreendermos ou questionarmos os nossos desejos. A censura impede-nos de fazermos esse trabalho (ou de corrermos esse risco). Sobre os Sinais de Fogo do Jorge de Sena não vou falar… nunca mais me calava!
5. Um local público onde goste de ler
Bibliotecas, cafés. Em Inglaterra também lia nos bares (a que eles chamam pubs), com uma cerveja.
6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)
Em cima da cama, mesmo com a cama feita.
7. Uma biblioteca importante para si
Biblioteca Municipal de Belém – foi lá que escrevi grande parte do meu primeiro livro de poesia, pouco tempo depois do meu filho nascer. Tenho uma espécie de “Dívida Soberana” relativamente a essa biblioteca.
8. As livrarias que costuma visitar
A “Ler Devagar” e “Bertrand”, porque ficam relativamente perto de casa. Já não passo tanto tempo em livrarias, passo mais tempo em bibliotecas.
9. Uma editora de que goste particularmente
É difícil nomear apenas uma. Tenho uma admiração especial pelas pequenas editoras: temos editores e editoras extraordinários a publicar poesia em Portugal. Muitas destas editoras têm perfis variados, algumas deles muito específicos. Em Inglaterra também me afeiçoei a pequenas editoras como a Shearsman, a Barque Press, entre outras… No caso da poesia, é um trabalho que implica uma dedicação enorme e não há leitor ou escritor que, de certa forma, não se sinta cúmplice da “sua” editora.
10. Que livros gostaria de reler?
Tantos… tenho agora no kindle a versão electrónica de A Educação Sentimental e Madame Bovary de Flaubert – livros que já li mas aos quais regresso muitas vezes. Há pouco tempo (em Fevereiro ou Março…) reli a tradução portuguesa de Doutor Jivago do Boris Pasternak. Comecei há pouco tempo a comprar também poesia, que já tinha lido, em versão electrónica, porque gosto da sensação de poder transportar comigo gente como Whitman, Rimbaud, Paul Valery, Sylvia Plath, Cesariny… Tenho uma fantasia de um dia reler os Lusíadas de uma ponta à outra parando apenas para as refeições: tenho relido Camões mas sempre aos soluços.
11. Que livros está a guardar para ler na velhice?
Nenhum…não consigo esperar tanto tempo…. E ainda sou muito nova (riso).
12. Acessórios de leitura que não dispensa
Mmmm…uso o que estiver à mão. Desde que haja bons livros por perto, leio de que forma e em que formato for. Sou versátil e omnívora.
13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?
Depende do livro e do meu estado de espírito.
14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?
Bem…eu trabalho sobre livros (há mais de quinze anos que dou aulas de Literatura…) por isso acabo por estar sempre a ler ou a escrever sobre livros. Para além do que leio para a investigação e para as aulas, também gosto de ler críticas, reportagens e ensaios que saem jornais. Gosto de saber o que os outros pensam do que vai saindo, mesmo que não concorde sempre com as críticas…
15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade
Há muitos versos e frases que me vêm à memória em várias situações diárias. É difícil escolher… Ultimamente tenho-me lembrado do verso “My life had stood –a Loaded Gun” de Emily Dickinson. E, de forma diferente, continuo também a adorar aquela resposta de Flaubert, tão repetida, tão simples mas tão loucamente clara: “Madame Bovary, c’est moi.”
Beijinhos a todas,
Marta
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