Queridas Senhoras,
Outra vez domingo, outra vez Natal, um ano mais (lembram-se do filme?). Amigas perguntam-me se já não escrevo no blogue. Não será por falta de tempo, nem de coisas para contar, apenas talvez por venho aqui dizer sempre o mesmo. Por isso, e porque ontem vi um belíssimo filme sobre a repetição (Dias Perfeitos, de Wim Wenders), decidi escrever e dedicar este texto a todas as amigas que perguntam se já não escrevo. Ao longo deste ano vim aqui somente duas vezes. Uma para fazer a catarse de um acontecimento importante. E a outra por causa de um filme sobre uma das minhas pequenas obsessões, o mundo do trabalho. É um tema que tenho sempre presente, e acredito muito em medidas como o rendimento básico universal, que nos possam libertar de uma vida onde a contemplação e a procura da beleza não tenham lugar. É verdade que me repito, por isso volto sempre à frase da Annie Dillard que a Marta partilhou: How we spend our days is, of course, how we spend our lives. Para mim, os dias são repetição, um encadeamento de rotinas que procuro tornar perfeitas, encher de momentos que me dão prazer. Por isso me identifico com Hirayama, a personagem de Dias Perfeitos, que me fez lembrar Paterson, o poeta que conduzia um autocarro. Ou com a narradora dos diários da Ivone Mendes Silva, com os seus dias sempre iguais, a busca de momentos, a observação narrativa e poética do quotidiano. Tenho a sorte de poder criar muitos desses momentos nos meus dias. Desculpem se não os fui partilhando ao longo do ano, mas são realmente muito iguais. Tenho essa sorte, e a sorte de ter lido muitos livros, de viver e trabalhar no meio dos livros, de muita gente me fazer chegar recomendações e histórias que aparecem no momento certo. Não tenho listas, não apontei o que li este ano, mas porque segui certos preciosos conselhos, descobri as narrativas juvenis da Ana Pessoa. E depois a Marta ofereceu-me Fósforo, um brevíssimo texto poético desta autora, tão ajustado e delicado para a minha convalescença que foi mais um perfeito milagre da nossa costureira de palavras. Então tenho de eleger a Ana Pessoa como uma das descobertas do ano. Mas a Marta também me fez chegar os diários da Maria Ondina Braga. Ela sabe como amo diários e a repetição. Foi também o ano em que finalmente li o Caderno de Memórias Coloniais, da Isabela Figueiredo. Li coisas que há muito queria ter lido, e outras que acasos e encontros me levaram a descobrir. Li os três romances de Pedro Vieira, um senhor da nossa idade, e um dos melhores da geração de 70, que talvez tenha passado demasiado despercebido. Se gostam da língua portuguesa, por favor descubram-no. Li a Leïla Slimani, que a Marta também me aconselhava há muito. Li o Hector Abad Faciolince, a que não teria chegado sozinha, e assim ficava sem conhecer a narrativa de puro amor e ternura, Somos o esquecimento que seremos. Li Tove Ditlevsen, o perturbador A Trilogia de Copenhaga. Li os contos imprevistos do Roald Dahl, e vi as adaptações de alguns destes do Wes Anderson. E deste vi no cinema Asteroid City, sobre o qual poderia ter escrito aqui, mas não calhou. De qualquer forma, este texto não pretende ser uma lista exaustiva de livros e filmes. É só para dizer às amigas que tenho coisas para dizer, mas não muitas, nem muito originais. Não consigo fazer grandes balanços, agora que vamos todas fazer 50 anos. Acho que não temos medo dos 50, mas temos medo de doenças. Estamos juntas nisso. Contamos umas com as outras para passar por isso juntas, para não fazer segredo, para falar de cancro, do útero, para passarmos umas às outras a Ana Pessoa.
Boas festas!
Céu
Saudades de a ler!
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