Os livreiros falam às Senhoras: Rita Siborro e Raul Reis (Culsete)




A histórica livraria Culsete, fundada em Setúbal em 1973, ganhou há poucos meses uma segunda vida. Simbolicamente, reabriu ao público a 23 de Abril, Dia Mundial do Livro, com um espaço renovado e um conceito alargado. Os novos proprietários, Rita Siborro e Raul Reis, respondem ao nosso questionário, desvendando um pouco desta aventura pelo mundo dos livros.

1. Quando e como se tornaram livreiros?

Do ponto de vista do negócio, só muito recentemente com a reabertura da Culsete. Mas se quisermos alargar o conceito e fizermos de um livreiro alguém que gosta de livros, então assumimos esse papel desde há muito.  Ambos crescemos rodeados por livros e com gosto pela leitura. O livro, enquanto objecto, nunca nos foi indiferente e aprendemos a apreciá-lo nas suas mais variadas funções: cultural, literária, estética. Somos verdadeiros entusiastas por livros.

2. Para vós, o que é um livreiro?

Alguém que faz dos livros um propósito e com isto queremos incluir não só a vertente do negócio dos livros mas também todo o envolvimento que se constrói com este objecto. É fundamental o conhecimento sobre os livros, em termos de escritores, editores, mas também a disponibilidade para se aumentar sempre esse conhecimento. Um livreiro é alguém que assume um compromisso perante os livros não bastando gostar de os ler mas de os promover, de os seleccionar, de os dirigir aos leitores. A qualidade desta mediação, entre os livros e os leitores, funciona como um barómetro do que é ser livreiro.

3. Como caracterizam a vossa livraria?

É uma livraria independente, generalista mas com forte aposta na literatura, poesia, infanto-juvenil e com uma pequena mas cuidada selecção de títulos de arte, design, fotografia e ilustração. Apostamos quer em títulos de fundo quer em novidades. Queremos também que seja um porto de abrigo para editoras mais alternativas, e trabalharemos todos os dias para aumentar esta oferta. É também um espaço multi-conceito já que pretende conciliar a venda de livros com a promoção de eventos, oficinas de saberes, exposições e a venda de materiais de estacionário quer de linha própria quer de pequenos ateliers portugueses. Temos um ambiente tranquilo e luminoso num espaço renovado, mas que mantém referências do seu legado, com locais para apreciar calmamente os livros e folheá-los ao seu próprio ritmo.

4. Qual entendem ser o papel das livrarias independentes nos bairros, vilas e cidades?

A proximidade quer com o cliente, quer com outras instituições locais, fazem das livrarias independentes um local privilegiado para a promoção do livro e da leitura. Podem e devem funcionar como espaços culturais e dinamizadores da agenda de eventos de uma localidade contribuindo dessa forma para alargar ou promover a oferta cultural. A experiência de compra numa livraria independente é necessariamente diferente de uma livraria inserida numa cadeia de livrarias ou numa grande superfície comercial. Há o atendimento personalizado, há a atenção aos detalhes, há a exclusividade, o conhecer o cliente pelo nome. Uma série de factores que contribuem para uma relação próxima e de confiança.  A quase extinção das livrarias independentes tornou-as uma espécie de legado cultural das cidades, uma espécie de loja de culto, que importa retomar; o que, ainda que a ritmo lento, parece estar a acontecer. No nosso caso, sente-se muito a vida de bairro e a visita das pessoas que moram no bairro. Uma vizinhança muito salutar que depois, através do passa-palavra, se estende de forma orgânica à cidade.

5. Quais são os principais clientes da vossa livraria e o que procuram?

A livraria reabriu muito recentemente mas o que temos percebido até agora é que muitos clientes que nos procuram não vêm à espera de encontrar os mesmos livros que podem obter em qualquer livraria de uma grande superfície. Daqui esperam uma selecção diferente, mais alternativa e criteriosa e um aconselhamento personalizado. Há muita procura pelos livros infanto-juvenis de qualidade e que respondam a necessidades concretas do desenvolvimento infantil. São clientes, na sua maioria, muito conhecedores dos grandes nomes da literatura e até do meio editorial. São clientes com quem muito temos aprendido, o que se tem revelado uma reciprocidade interessante e desejável.

6. Em vossa opinião, o que pode contribuir para formar mais e melhores leitores?

O maior contributo advém da dupla escola-família. A escola, por razões óbvias. O espaço privilegiado para aprender, para ter contacto com as grandes obras e para as interpretar. Os professores podem e devem ser grandes influenciadores no gosto pela leitura. Mas cabe aos pais e às famílias a outra parte deste processo porque se estes não tiverem hábitos de leitura, ou se não os promoverem junto das crianças e dos jovens, dificilmente estes irão procurar um livro perante tantos outros estímulos. Irão ler, mas serão outras leituras, de acesso rápido, de menos qualidade e menos estimulantes do ponto de vista do pensamento. Neste processo, será fundamental encontrar o livro certo para que com ele se encontre o prazer da leitura. Mesmo quem gosta de ler, desmotiva perante um livro que considere aborrecido ou desinteressante. Mas a oferta de livros é tão diversa que haverá sempre um livro à espera dos mais variados gostos, tempos e exigências. E é este trabalho, difícil e exigente, da procura do registo que mais nos satisfaz, que é descurado caindo-se na norma e na obrigação em ler somente algumas obras específicas. Depois de se gostar de ler é mais fácil de nos tornarmos melhores leitores porque a leitura continuada promove o conhecimento e a destrinça entre o que é banal e o que é diferente e inovador.

7. Por último, podem recomendar-nos dois ou três livros importantes para vós?

O Arranca-Corações de Boris Vian; Ensaio sobre a cegueira de José Saramago e A Insustentável leveza do ser de Milan Kundera.


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