Os leitores falam às Senhoras: Miguel Somsen (jornalista)


Crédito da foto: João Bettencourt Bacelar

Queridas Senhoras,

há muito tempo que acompanhamos o Miguel Somsen nas redes sociais. A graça, a inteligência, a capacidade de observação do quotidiano, a rapidez e a acutilância dos comentários, mas também os assomos imprevistos de ternura e a partilha de uma certa intimidade, são excelentes razões para frequentar assiduamente a sua página. Às vezes, não reparamos no que está à frente do nariz e por isso levámos tanto tempo a convidá-lo para responder ao nosso questionário. Curiosamente, a literatura não é um tema que esteja muito presente nos seus posts. Mas um texto publicado no Dia Mundial do Livro abriu-nos os olhos. «Como é que ainda não pedimos ao Somsen para responder?!». Quem pensa e escreve com a desenvoltura e o espírito com que o Miguel o faz, teria sempre de ser um grande leitor.


1. O que está a ler neste momento?

Neste momento estou com vários livros em curso, o que significa que não estou a ler nada de entusiasmante ainda. Seja o Bilhete de Identidade da Maria Filomena Mónica, que sei que nunca irei terminar de ler, ou Sapiens - História Breve da Humanidade, de Yuval Noah Harari, porque o tema me interessa. Deixei a meio um livro sobre geopolítica, Prisioneiros da Geografia, de Tim Marshall, porque infelizmente me pareceu ser demasiado america centered, não estava a oferecer-me nada de novo. Eu gosto de livros generosos.

2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?

Li finalmente o Bartleby & Companhia, do Enrique Vila-Matas, há uns dias. Tento sempre levar um Julian Barnes, um Ian McEwan ou um Michel Houellebecq de férias, mas como eles parece que escrevem sempre a mesma história nunca sei o que é que já li deles. Vou finalmente ler o Lucky Jim do Kingsley Amis nas férias, mas preferia ler o I Like it Here porque resultou de uma estadia do autor em Lisboa, criando um alter ego que, a dada altura, contempla a sepultura do autor Henry Fielding no cemitério da Estrela (onde a minha mãe está sepultada). Outro dos livros que quero levar de férias: A Queda de Salazar, de José Pedro Castanheira, António Caeiro e Natal Vaz. Sei que isto parece tudo muito confuso de ler, mas garanto-vos que que estava muito claro na minha mente quando o escrevi.

3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros

Os principais livros de infância lá em casa na verdade foram os fascículos de banda desenhada do Tintim dos anos 70, que todas as semanas chegavam trazidos pelo carteiro de bicicleta às quintas. Como éramos sete crianças lá em casa mas só havia um fascículo semanal, o primeiro a tocar na revista era o primeiro a lê-la. Por vezes chegávamos a atirar o carteiro ao chão só na ganância de ser o primeiro a tocar na revista.

4. Que livros marcaram a sua adolescência?

Sempre As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, porque foi uma leitura que aconteceu numa altura em que já tinha maturidade para compreender a ironia. Comecei a ler tarde, com Os Sete (e não Os Cinco) da Enid Blyton, depois dos 10 anos. Percebi cedo o que era um page turner, um daqueles livros que nunca largamos. A pós-adolescência foi mais importante para mim, porque me diverti muito com contos russos e os clássicos gregos, principalmente Aristófanes, o meu favorito. Até chegar a fase sexual, em que se procura os livros que nos excitem, como A História de O de Pauline Réage ou qualquer coisa misógina do Henry Miller.

5. Um local público onde goste de ler

Praia é o melhor local público para se ler, desde que não se seja incomodado pelos ruídos trazidos pela vizinhança que, impreterivelmente, se gosta de colocar a dois metros da nossa toalha numa praia deserta.

6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)

A casa de banho, naturalmente.

7. Uma biblioteca importante para si

A antiga Biblioteca Municipal de Oeiras, onde aprendi a pesquisar, a partilhar e por vezes a querer roubar livros. Ainda estava naquela fase idiota em que achava mais importante ter o livro do que ler o livro.

8. As livrarias que costuma visitar

As livrarias que o acaso me encontrarem. Lamentavelmente, são cada vez menos as livrarias que conseguimos encontrar. Portanto o processo de pesquisa, procura e descoberta é absolutamente caótico, tanto pode ser um hipermercado, uma feira em segunda mão ou, quem sabe, um caixote de lixo. Claro que a melhor livraria é sempre a nossa casa, quando descobrimos na nossa estante um livro que não sabíamos que tínhamos.

9. Uma editora de que goste particularmente

A Cotovia, por razões emocionais recentes, por ser um pequeno empreendimento que a firme Fernanda Mira Barros tenta assegurar. Não posso deixar de agradecer a confiança depositada pela LeYa nos livros de e sobre Gin que publiquei, bem como os projectos que ficámos de concretizar.

10. Que livros gostaria de reler?

Todos aqueles livros que me pareceram chatos e compridos quando fui obrigado a lê-los na formação e que agora, por aprimoramento ou apenas temperamento, acho importante redescobrir. Literatura portuguesa, por exemplo. Toda.

11. Que livros está a guardar para ler na velhice?

Nunca serei velho. Nem eu nem os livros. Agora a sério: talvez leia finalmente qualquer coisa do Borges, do Joyce ou Os Irmãos Karamazov. Ou Agustina.

12. Acessórios de leitura que não dispensa

Dinheiro para os comprar.

13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?

Põe-se de lado, sempre. O tempo é precioso, escasso para tantos livros. No outro dia deixei um Bukowski a meio. Espero que o homem nunca venha a saber. Depois há aqueles livros difíceis, como O Som e a Fúria, do Faulkner, ou qualquer coisa do Martin Amis, que é tentador largar mas que justifica a resistência.

14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?

Não costumo ler muito sobre livros, começa a ser difícil perceber de onde vem a divulgação independente nos dias que correm, por isso infelizmente creio que sou levado a ler sobre livros pelo comércio e circunstâncias do acaso, como montras de lojas em centros comerciais ou amizades das redes sociais. Para alguma coisa as redes hão de ser úteis.

15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade

Sempre Oscar Wilde, o epigramista: «A pontualidade é um roubo que se faz ao tempo». Gosto muito da frase apócrifa: “Mesmo um relógio parado dá as horas certas duas vezes ao dia”.






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