Teletrabalho, confinamento e galochas

Queridas Senhoras,

estranhamente, «teletrabalho» não está entre as candidatas a palavra do ano. Está lá «confinamento», «pandemia», «telescola», mas não o termo que nos pôs a trabalhar de pantufas. Sei que a modalidade tem muitos adeptos, que há ganhos significativos de tempo (deslocações, transportes) e que, provavelmente, veio para ficar. Não de forma permanente e obrigatória, mas como possibilidade e alternativa aos modelos convencionais. E de preferência com condições, aprendizagem e dicas para melhor desempenho e conciliação entre vida profissional e familiar. Este ano, fruto das circunstâncias, foi tudo um bocado à maluca, ninguém estava preparado. A pessoa não sabe se escreve o email ou estende a roupa. Se acaba o relatório ou tempera a carne para o jantar. Quem já trabalhava em casa, com anos de experiência acumulada, tem muito para nos ensinar e acredito que podemos beneficiar dessas lições.

Ao longo destes meses, fui intercalando o teletrabalho e o confinamento com muitos passeios ao ar livre, sempre que possível perto da natureza. O professor Carlos Neto aconselha as crianças a passar mais tempo lá fora, mas os meus filhos não querem saber disso. Numa entrevista, o professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana recomendava como prenda de Natal para os miúdos «kispo e galochas». Quero as galochas para mim. Ainda agora fui dar um passeio à chuva, deliciada com a qualidade do ar (obrigada, obrigada MEC, por me fazeres sentir que não sou doida varrida) e os tons das folhas pelo chão. Já estive mais longe de me pôr aos saltos nas poças lamacentas (vou esperar pelas galochas). Passo pelas hortas improvisadas à beira do caminho, junto à estrada ou à linha ferroviária, e só me apetece pegar numa enxada.

Não há Netflix, Glovo ou pão feito em casa que compensem os prazeres da vida lá fora, mesmo com vento e chuva e frio. Sair para trabalhar é também uma oportunidade de espairecer do espaço doméstico onde há sempre mais uma tarefa a cumprir. Até porque mais tempo em casa implica mais horas dedicadas aos afazeres domésticos, como limpezas e refeições.

Perdemos também o convívio com os outros, exteriores à família, e não sei como iremos recuperar essa parte das nossas vidas. Se já era complicado marcar um jantar de amigos, encontrar uma data ou local conveniente para todos, como será a partir de agora e quando voltaremos a ter confiança, ânimo e energia para isso?

Entretanto, o tempo continua a passar, ninguém está a ficar mais novo e o mundo está diabolicamente confuso. What a time to be alive

Até para a semana,

Céu


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