Queridas Senhoras,
penso que a minha febre em ler diários, confissões, crónicas íntimas, textos autobiográficos e outros semelhantes tem a ver com a vontade de ler coisas verdadeiras. E julgo que isso se tem acentuado desde que somos confrontados a todo o momento com imensos textos, opiniões, partilhas de toda a ordem, sobre tudo. Gera-se então uma urgência em ler coisas verdadeiras. Porque a verdade está bastante ausente do nosso quotidiano, não podemos sair por aí a ter conversas verdadeiras, o mais das vezes embarcamos em conversas banais. E está certo assim, isto tem de se levar com cuidado. You can't handle the truth!, já bradava o outro. Foi isso que me levou a devorar os diários da Ivone Mendes da Silva e a escolhê-los como tema para o trabalho final de Arte e Ensaio. Fui reler o texto para ver o que escrevi sobre «verdade» e, embora não tenha sido obsessiva (estranho), está lá a referência à verdade na qual podemos reconhecer-nos.
Isto para dizer que já li As Pequenas Virtudes, da Natalia Ginzburg. Atentem só neste excerto:
Somos agora tão adultos, que os nossos filhos adolescentes começam já a olhar-nos com olhos de pedra: sofremos com isso, mas sabendo bem o que é esse olhar: mas recordando bem que tivemos um olhar idêntico. Sofremos com isso e lamentamo-nos, murmuramos perguntas receosas, mas sabemos agora muito bem como se desenrola o longo encadeamento das relações humanas, a sua parábola necessária, todo o longo caminho que nos cabe percorrer para chegarmos a ter um pouco de misericórdia. (p.127)
Este fragmento pertence ao ensaio intitulado «Relações Humanas», que é uma viagem pela nossa vida, desde a infância à maturidade. Não sei dizer o quanto este texto me tocou e como senti verdade em todas as palavras.
Com assombro, damo-nos agora conta de que em adultos não perdemos a nossa antiga timidez diante do próximo: a vida em nada nos ajudou a libertarmo-nos da timidez. Somos ainda tímidos. Só que isso não nos importa: parece-nos que conquistámos o direito de ser tímidos: somos tímidos sem timidez. audaciosamente tímidos. (p. 126)
Além da leitura, tenho cumprido todos os meus rituais favoritos. Descobri uma nova receita: ovo cozido enrolado numa fatia de fiambre de peru, com um esguicho de maionese.
Hoje quase não havia gente a passear os cães, as ruas estavam ameaçadoramente desertas. A segurança vinha da luz de algumas esplanadas com dois ou três clientes.
Fiquem bem.
Céu
Já leste os diários da Deborah Levy? Eras capaz de gostar.
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