Uns para os outros

Queridas Senhoras,

um dos encantos da série After Life está na repetição. Há oito ou dez tipos de cenas que se intercalam. Tony vê vídeos da mulher falecida. Tony passeia a cadela. Tony conversa com a amiga do cemitério. Tony fala com os colegas do jornal local. Tony e Lenny saem em reportagem, dando notícia das histórias locais mais absurdas. Tony visita o pai no lar. Tony abre a porta ao carteiro. Tony conversa com a sua amiga profissional do sexo. Tony faz terapia com o psiquiatra depravado.

A série funciona porque trata de temas difíceis - luto, depressão, tendências suicidas - de forma desarmante. O humor negro e escatológico serve de contrapeso à crueza dos factos. A mulher morreu, Tony quer desistir de viver. E no entanto ele teve direito à mais rara das experiências humanas: um casamento imensamente feliz. A memória dessa felicidade causa dor e saudade, mas é também o motor para continuar a viver. Tony está rodeado de losers, de gente ridícula, mas ridículo, afinal, é quem desiste de se preocupar com os outros. E Tony nunca desiste. 

O corolário desta série que parece tão desfasada da realidade (há muito poucas referências ao mundo moderno, tecnológico e viral) é que fazemos falta uns aos outros. Não temos mais nada. E naquele microcosmo de falhados, lunáticos, desesperados, solitários, tristes, há afinal esperança, redenção e infinita humanidade.

Céu


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