Os escritores falam às Senhoras: Alice Vieira


Queridas Senhoras,

faço uma pesquisa rápida para conferir a bibliografia da nossa convidada de hoje e os títulos dos seus primeiros livros causam-me uma nostalgia inexplicável. Um fundo de tristeza misturado com prazer e medo do desconhecido. Rosa, Minha Irmã Rosa, Lote 12 – 2º Frente, Chocolate à Chuva, Às Dez a Porta Fecha, Os Olhos de Ana Marta. Crescemos a ler estes livros e isto em mais do que um sentido. Crescemos a ler estes livros.

Tenho memórias muito intensas e precisas, talvez do início da adolescência, de serem livros muito “adultos”, ou seja, histórias onde podíamos ser confrontados com os nossos maiores medos e angústias. Já adulta e mãe de filhos, li (ou terei relido?), por recomendação da Senhora Marta, Os Olhos de Ana Marta (considerado, segundo consta, o melhor romance da autora). Chorei convulsivamente. Naturalmente, não quero, com esta ladainha, afastar leitores, jovens ou menos jovens. Quero apenas sublinhar esta ideia com que todos crescemos: os livros de Alice Vieira podem (devem) ler-se em qualquer idade.

Senhoras e senhores, vamos ao que importa. A partir do nosso humilde questionário, Alice Vieira, talvez a primeira escritora das nossas vidas, desfiou este novelo de histórias:

1. Um livro seu que recomendaria a quem queira iniciar-se na sua obra

Se é para uma criança que realmente se vai iniciar, ou seja, nunca  leu nada meu, então que comece pelo princípio…pelo Rosa, Minha Irmã Rosa. No entanto, se já for adolescente, recomendo o Diário de Um Adolescente na Lisboa de 1910. De certeza que se vai divertir muito - e talvez aprenda alguma coisita.

2. Três livros / autores fundamentais na sua existência

Há autores fundamentais na nossa infância e autores fundamentais na nossa idade adulta. Na minha infância e adolescência houve um autor fundamental, acima de todos os outros (tenho o retrato ele na minha mesa de trabalho): o brasileiro Érico Veríssimo.  As aventuras de Tibicuera e a Clarissa são dois livros dele que tenho sempre por perto, e que vou dando a todas as adolescentes que conheço. E no fim todas me dizem: “a Clarissa sou eu!” E eu respondo: “este livro foi escrito em 1939”…E elas não acreditam. Para lá do Veríssimo, a Condessa de Ségur (estou agora a trabalhar numa biografia dela),  e um livro extraordinário: Coração, de Edmundo d’Amicis.
Na minha idade adulta, os indispensáveis , sempre na minha mesa de cabeceira: a Bíblia (agora na tradução de Frederico Lourenço), e a poesia completa de Ruy Belo e de Tolentino Mendonça.

3. Três livros que todas as crianças/jovens deveriam ler

Penso que não se devem impor livros às crianças (bem basta aqueles que os programas escolares impõem…) E nunca sabemos que livro é que as vai “tocar” e fazer delas grandes leitoras…Dêem-lhes livros, isso é o que interessa. Li tanto livro mau em criança e que me fez tão bem…

4. Um livro sobrestimado, que não merece a fama que tem

Não gosto de falar em livros sobrestimados…Prefiro o contrário: livro subestimado, que toda a gente devia ler e ninguém lê..…Também aqui há uma lista que não acaba mais. Mas eu só dou um nome: a poesia de Daniel Faria. O Daniel Faria é dos grandes poetas portugueses. Morreu em 1999 aos 28 anos, e da maneira mais estúpida: era monge em Singeverga, um dia tropeçou num degrau do convento (de pedra…) bateu com a cabeça no chão e morreu. Já tinha escrito uma série de livros—que uma editora reunira e publicara. Neste momento a Porto Editora tem uma boa edição da sua Poesia Completa.  Só um aparte: há meia dúzia de anos eu estava na Universidade de Helsínquia, e aparece-me uma jovem finlandesa a dizer-me que estava a fazer o doutoramento sobre a poesia do Daniel Faria….

5. Uma sugestão cultural (filme, peça de teatro, concerto, exposição...)

O filme da minha vida, sempre: Breve Encontro, do David Lean.

6. Um programa e/ ou série de TV

Vejo pouquíssima televisão. Digamos que só a abro para ver algumas séries do Fox-Crime (Endeavour, Vera, Morse, Gentley…) e muita coisa da RTP-Memória (sobretudo o Inesquecível e uma ou outra repetição de séries antigas que vale a pena rever como, por exemplo, o Conta-me Como Foi …)

7. Uma livraria e/ ou biblioteca da sua preferência

Há duas livrarias em Lisboa de que eu gosto muito: a Ler Devagar, na LX-Factory ; e a Pó dos Livros, na Av. Duque de Ávila. (Se algum dia forem a Buenos Aires, entrem na Ateneo. Um antigo teatro transformado em livraria e, de certeza, uma das mais belas do mundo.)

8. Uma sugestão de leitura para as Senhoras da Nossa Idade (i.e. dos 35 em diante)

Tal como para as crianças, também para as senhoras da nossa (vossa…) idade não deve haver qualquer tipo de obrigação ou leitura especial. Mas, já agora - e puxando um pouco a brasa à minha sardinha…- acho que se divertiam com qualquer um dos meus quatro livros de crónicas : Bica Escaldada, O Que se Leva Desta Vida, Pezinhos de Coentrada, e Só Duas Coisas que Entre Tantas me Afligiram… Depois digam qualquer coisa…


E então? Não é uma delícia esta conversa?


Beijinhos a todas,

Céu

Comentários