Os leitores falam às Senhoras: Ana Cepeda Alves (copywriter)



Queridas Senhoras,

temos convidado pessoas muito variadas para responder a este questionário, insistindo apenas numa condição: a de serem grandes leitores. Foi por isso que não hesitei em desafiar a Ana Cepeda Alves, minha colega no Mestrado em Edição de Texto, uma fonte de inspiração e força que me ajudou a enfrentar os desafios escolares e profissionais dos últimos tempos. A Ana é copywriter e uma leitora como, arrisco dizer, nunca conheci outra. Ao longo do seu percurso (é uma senhora da nossa idade doze anos mais jovem) já teve a felicidade de fazer um interregno de um ano para viajar, ler e escrever, entre a Ásia e as Américas. E tem «a forte convicção de que ainda a procissão vai no adro».

1. O que está a ler neste momento?

O Cá vai Lisboa do Alface, edição da Fenda, uma descoberta recente. Em paralelo a Antologia reunida pela Relógio D’Água do Henri Michaux, tradução da Margarida Vale de Gato, que acompanho com Moriturus e outros textos, também do Michaux, mas editado pela Língua Morta, com apresentação e tradução do Rui Caeiro – gosto especialmente da tradução dele de alguns poemas.

2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?

Li Três horas esquerdas, do Daniil Kharms e reli-o logo a seguir. E porque A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer agarrei-me ao Stig Dagerman e às edições VS. Espero dedicar-me agora aos Aforismos do Karl Kraus, lá está, edições VS. À noite ando a rondar uma certa muralha, a Ilíada deixou-me às portas de Tróia, espero agora, pela mão do Virgílio, ver como entra o cavalo.

3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros

É mais uma memória de pré-adolescência. A censura da minha mãe. Já os clássicos portugueses da estante de casa estavam lidos e treslidos, já as morgadinhas, as pupilas e outros saiotes compunham a minha ideia de literatura, quando, lembro-me bem, entra em casa o Último voo do flamingo, do Mia Couto. Fenomenal. “Um pénis decepado, em plena Estrada Nacional” logo na primeira linha. Claro, com toda a estranheza e curiosidade da pré-adolescência, apanhei-o. Poucos dias mais tarde, ainda a debater-me com aquela terra vermelha, qual canaviais qual quê, puff, desapareceu. Encontrei-o anos mais tarde, numa gaveta inesperada.

4. Que livros marcaram a sua adolescência?

Tendo em conta a minha iniciação pelo saiote, foram os mais avessos ao género que me impressionaram. A Anunciação, de H.G. Cancela foi de uma grande brutalidade. As Palavras e sangue do Giovanni Papini, uma edição antiga de bolso do meu pai, foi para mim uma rebeldia. Antes de ir para a faculdade decidi que tinha de ter uma «noção geral» da literatura do mundo, fiz um mapa e tudo. Não entrei na livraria, como o Almada, mas na Biblioteca Municipal, e percebi que as férias não duravam nem para metade de uma prateleira! Ainda assim atirei-me aos russos e os russos nunca mais se foram embora.

5. Um local público onde goste de ler

Não gosto de ler em locais públicos, à excepção do 713 e da semana e meia de praia.

6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)

Gosto do sofá, para esticar as pernas e ir perdendo, aos poucos, a circulação nas mãos.

7. Uma biblioteca importante para si

É importante na medida em que é de lá que me chegam os livros requisitados, o jardim tem um vistão e até fecha mais tarde. O Palácio Galveias é muito frequentado aqui em casa, mas, por azar, não por mim.

8. As livrarias que costuma visitar

A Leituria, em corrida às horas de almoço. A Distopia, que está sempre à mão. A Barata, só fecha às 23 horas, é incrível. Gosto de gostar da Letra Livre, mas o horário é tramado para mim, tem de ser por marcação!

9. Uma editora de que goste particularmente

Uma não podia ser, várias, será sempre injusto, mas algo honesto. A  Antígona, claro, a Língua Morta e a Averno, a Flop, a VS, a dois dias, gosto muito da Pianola, da Cotovia, e como não pode deixar de ser, a Relógio D’Água.

10. Que livros gostaria de reler?

Os monumentos. Aqueles clássicos eternos, que tanto pela sofreguidão, quanto pela idade em que os li, hoje me assaltam, feitos almas penadas, a pedir zelo.

11. Que livros está a guardar para ler na velhice?

Nem quero pensar nisso!

12. Acessórios de leitura que não dispensa

Dispenso todos. Só não dispensaria um, se existisse, existirá? Trata-se de um suporte para leituras de cama. Sou demasiado preguiçosa para estar de costas direitas, mas segurar calhamaços durante algum tempo pesa, pior, virar páginas é uma autêntica prova de esforço e de perícia. Eu sei que é da má posição, mas se houvesse um certo suporte...

13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?

Há alguns que me irritam tanto que crio logo inimizades. É difícil regressar a esses. Há outros que não, claro que volto. Tenho de molho O som e a fúria, do Faulkner, por exemplo. Não aguentava os berros daquela criança, era como se estivesse lá. Mas pô-lo de lado, não.

14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?

Sim, especialmente no último ano. Gosto muito de certos autores que partilham a biblioteca. Ando a par da imprensa e gosto, sobretudo, de acompanhar os blogues e redes de editores, editoras e livrarias.

15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade:

Esta vem dos meus 16:

«Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.»

Sebastião da Gama




Beijinhos a todas,

Céu

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