Os leitores falam às Senhoras: Laura Mateus Fonseca (editora, professora e investigadora)




Queridas Senhoras,

quem nos tem acompanhado por aqui, sabe como este ano tem sido aventuroso para mim, recheado de novas experiências e conhecimentos. Sempre que seja relevante, procuro canalizar essa riqueza para o blogue. Por isso pedi à editora e professora Laura Mateus Fonseca que respondesse ao nosso inquérito. Tive o prazer de a conhecer (e de partilhar da sua imensa sabedoria, simpatia e generosidade) através do curso livre que leccionou esta Primavera (o esgotadíssimo Técnicas e Práticas de Edição e Revisão de Texto). Para além do extenso curriculum editorial e académico, dinamiza workshops de Escrita Criativa («Então, queres ser escritor?») onde promove o livro, a leitura, os novos escritores e tudo o que envolve a arte da escrita. Persegue o sonho de criar uma escola da escrita. Para já avançou com o projecto editorial INFOLIO  na Incubadora de Artes de Carnide.


1. O que está a ler neste momento?

São várias as leituras e vou saltitando de registo, de género, de livro para livro. É a curiosidade que me faz agarrar vários livros, depois também há o lado profissional (apreciação de manuscritos e revisões) que me conduz sempre a novos textos e autores. Mas, de momento, estou a fazer duas leituras; uma mais por prazer, Contos Inéditos de Natália Correia, outra mais profissional, Aulas de Literatura de Vladimir Nabokov. Depois há sempre a leitura prazerosa e mais imediata de revistas literárias e de revistas de periódicos semanais.

2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?

Acabei de fazer uma leitura que, sendo profissional, foi uma agradável descoberta e surpresa. Trata-se de uma narrativa de uma nova e jovem escritora – a Diana Brígida Correia, o título Os Libertistas. A Diana consegue misturar uma trama complexa e conceitos filosóficos e teorias que se defendem da pior maneira, há um grupo de jovens que vive aventuras e desventuras no meio de um exército, ficando presos dessa realidade. Resta-lhes lutar pela liberdade.
As próximas leituras são missões de conhecimento para o trabalho que estou a desenvolver (investigação no Surrealismo em Portugal, nomeadamente Mário Cesariny), não deixam de ser fruições, e vou encontrando verdadeiras pérolas literárias que depois partilho nos meus workshops de Escrita Criativa. Mas também há uma breve selecção de leituras mais descontraídas, à espera da sua vez: As Pequenas Histórias, vários autores; Lincoln no Bardo, George Saunders; O Sonho de Bruno, Iris Murdoch. Citando Roland Barthes, em O Prazer do Texto, «Nós lemos um texto (de prazer) tal como uma mosca voa no volume de um quarto – com ângulos bruscos, falsamente definitivos, atarefados e inúteis».

3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livro

Desde cedo o meu pai comprava livros por encomenda porque não havia livraria de jeito na vila onde morava. Lia e relia os mesmos exemplares até quase saber de cor os textos de páginas que citava. Fiquei cativa do prazer de folhear livros, de ler e reler, de recontar, de deixar a imaginação voar e voltar com novas personagens e muitas histórias.
Na altura, fã d' Os Cinco, do Colégio das Torres, d' As Gémeas, reconstruía as histórias em brincadeiras nos moinhos abandonados que existiam na eira do monte alentejano, em Evoramonte, para onde a família se escapava em fins de semana tão desejados. Dias felizes!

4. Que livros marcaram a sua adolescência?

Além de alguns policiais, a melhor leitura e aquela que relembro como mais prazer, porque me marcou nomeadamente pela história rocambolesca, pelo apelo aos sentidos, foi O Perfume de Patrick Suskind. O especializado artesão no ofício de perfumista conduz-nos numa alquímica busca do Absoluto. O perfume supremo como forma de alcançar o Belo, nem que para isso tenha de cometer os crimes mais hediondos, que o transformam num ser monstruosos e ao mesmo tempo fascinante. Lembro-me de recomendar entusiasticamente a leitura a amigas.

5. Um local público onde goste de ler

Gosto de ler no jardim e na praia. Embora com sons e ambientes diferentes, ambos os locais são retemperadores como as leituras o podem ser.

6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)

Em casa, gosto de ler na varanda, entre flores, gato e sons.

7. Uma biblioteca importante para si

Neste momento, e para o trabalho de investigação, elejo a Hemeroteca Municipal de Lisboa onde frequentemente me desloco para consultar periódicos, e ainda a Biblioteca Nacional.

8. As livrarias que costuma visitar

Adoro livrarias! Ainda não desisti de ter um espaço que alie a gastronomia ao prazer de ler e de tertuliar. Gosto de conceitos alternativos de livrarias, daquelas que fogem ao perfil de mercado do livro de consumo rápido, que convive com outros bens de consumo. Prefiro as livrarias com decorações inovadoras, mas acolhedoras, a pensar na fruição da leitura, livrarias que chamam pelo leitor com programas especiais dedicados ao autor e ao livro. Gostava da identidade da Pó dos Livros – desempoeirada! Infelizmente faleceu! Gosto do conceito da Livraria Déjà Lu, a funcionar num espaço prazeroso de umas águas-furtadas da Cidadela de Cascais. Aqui os livros em segunda mão «não são livros selvagens, livros sem abrigo. Reúnem-se em grandes bandos de penas tresmalhados e têm um charme que falta aos volumes domesticados das bibliotecas» (Virginia Woolf – excerto no cabeçalho do Facebook da livraria). É um projecto por uma causa social – uma livraria solidária. Outro espaço encantador, quase casa de bonecas, é a Livraria Solidária de Carnide – aqui a programação cultural é vasta e diversificada. Vale a pena conhecer e frequentar!

9. Uma editora de que goste particularmente

Presentemente acompanho mais os trabalhos, publicações e apostas editoriais, às vezes arrojadas, de pequenas editoras e de editoras independentes. Gosto do trabalho da Tinta-da China, da editora Cavalo de Ferro, e outras…

10. Que livros gostaria de reler?

Há sempre clássicos que gostaria de reler, por exemplo, Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll.

11. Que livros está a guardar para ler na velhice?

A minha biblioteca já vai longa, por isso tenho muitas releituras, muitos livros para ler, nomeadamente romances, poesia, e alguns ensaios sobre temas que me interessam. Por isso, podem ser bons candidatos a leituras tardias e mais calmas, também mais selectivas. Acho que vou gostar de ter o meu projecto de jantares literários para desafiar leitores a dar voz aos textos de que gostam, tudo isto em jantares pantagruélicos, partilhando receitas privadas de escritores, pintores e artistas.

12. Acessórios de leitura que não dispensa

O melhor mesmo é o livro. Mas gosto de usar o marcador – principalmente aqueles que me oferecem e são feitos em pergamano (técnica minuciosamente maravilhosa) pelas alunas da Universidade de Sénior.

13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?

Porque não deixá-lo repousar e voltar mais amadurecido, num outro momento de vida, quiçá num outro lugar, seguramente a leitura terá outra espontaneidade e o mesmo livro passa a prender. Nem que seja, vale a pena manter a sua leitura para conhecer o tipo de escrita, para formar e enformar o meu gosto literário. É aqui que relembro uma frase de William Faulkner «Leia, leia, leia. Leia tudo – porcarias, clássicos, coisas boas e más, e veja como os escritores fizeram aquilo, tal como um carpinteiro começa por ser um aprendiz que estuda com o mestre. Leia! E só depois escreva.»

14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?

Costumo ler as recensões das novidades em algumas revistas da especialidade. Leio também artigos publicados online, em sites como PublishNews, Publish Weekly, Bookseller, Goodreads… Depois, leio e consulto com frequência, também para preparar aulas, obras como Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho – uma espécie de tratado de escrita para escritores que querem dançar a valsa: «escrita e leitura, autor e leitor, personagem e acção, causalidade e verosimilhança, contar e mostrar, o dentro e o fora, a superfície e o fundo».

15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade

José Saramago escreveu: «Todos temos necessidade de dizer quem somos e o que é que estamos a fazer e a necessidade de deixar algo feito. Porque deixar coisas feitas pode ser uma forma de eternidade.»




Beijinhos a todas,

Céu

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