Bem receber Ou um dos lados mais negros da maternidade

Queridas senhoras,

A semana passada falei-vos aqui do sono do bebé. Esta semana começo por falar do sono dos pais.

O meu amigo Bruno costumava tomar relaxantes musculares para conseguir dormir uma noite de jeito até que um dia teve gémeos e o problema passou. Digo que passou no sentido que ele passou a ter sono, só que quando se é pai ou mãe, ter sono e dormir são duas coisas que vêm em separado.

Serve esta curta história para quê? Para vos dizer que a privação de sono é uma das faces negras da maternidade. Sim, a maternidade tem muitas cores. Cor-de-rosa é apenas uma e geralmente a mais falada, por acaso.

Não é à toa que uma das torturas mais usadas com os presos políticos era a da privação do sono. Em pouco tempo podem levar uma pessoa à loucura. E por que é que com uma mãe isso não acontece?

A resposta dá pelo nome de ocitocina, também conhecida pela hormona da felicidade ou como dizem os brasileiros “hormônio do amor”. É ela a responsável pela réstia de sanidade mental que sobra a uma mãe e que lhe permite tomar conta das suas crias. 

É por causa dela que uma mãe pode ter sentimentos ambivalentes na mesma hora: estar cansada até ao extremo mas também estar hiper feliz. E aqui digo mãe e não digo pai porque a hormona não é produzida de forma automática pelo homem aquando da sua nova condição de pai, tal como é produzida por uma mãe no parto.

Um dos sábios conselhos que me deram na maternidade (tenho recebido vários ao longo desta jornada) foi o seguinte:

- Dorme o bebé, dorme a mamã.

E dito desta forma parece tudo tão simples até que depois esbarramos com a realidade.

E a loiça do almoço, quem é que a lava? E a roupa, quem é que trata dela? E já nem me estou a referir a lavar vidros, limpar o pó ou esfregar o chão. Refiro-me às tarefas invisíveis que se têm de fazer numa casa, todos os dias.

A juntar a isto há as visitas. Sempre gostámos muito de receber e de ter a casa cheia. É por isso perfeitamente natural que os familiares e amigos mais próximos queiram ver o bebé nas primeiras semanas. Não dá para responder:

- Agora não posso que estou a dormir.

Aos de perto de casa, tudo bem, se não dá jeito hoje visitam noutro dia. Mas e o primo que vem do Norte, a família do estrangeiro que está cá de férias e o amigo que vive fora mas quer aproveitar a oportunidade para conhecer o novo membro?

Alguém desse lado consegue ser descontraída o suficiente para receber, ainda que seja família ou amigos próximos, com a casa suja e desarrumada? E mais, sem ter nada para oferecer? Eu tentei sempre dar lanche ou jantar mas confesso que tive muita ajuda nesse sentido.

Se aprendi alguma lição destes primeiros tempos? Sim, ao colocar-me no lugar de futuros pais que estão fora da sua cidade natal e sem família por perto senti-me aterrada. Por isso, da próxima vez que visitar um recém-nascido vou eu levar uma refeição quente. Um tabuleiro de bacalhau que dá para congelar depois as sobras, uma salada já lavada e pronta a temperar, um pote de sopa caseira, uma cesta com fruta fresca… tantas as opções.

Não me posso esquecer que quando cheguei a casa da maternidade tinha o jantar no forno e o meu bolo favorito na mesa. Se gostei? Claro que sim. Cortesia da sogra. Ainda na maternidade, uma grande amiga fez questão de me aparecer com caracóis e sushi para o jantar, dois dos meus petiscos favoritos. Se comi o frango assado com arroz do hospital? O que é que acham?

Posto isto, se tivesse de criar outro mandamento, este dirigido essencialmente às visitas de famílias deslocadas, ele seria: “Não visitarás um recém-nascido à espera de uma refeição na mesa. Traz tu a refeição para a nova família.”

É para isso que devem servir as visitas e não para fazer a corte ou levar presentes. Em princípio a família já comprou tudo o que o bebé precisa. Agora há que tratar dos pais. Agarrar na vassoura e limpar um chão, se for preciso e se houver confiança para isso.

É claro que isto soa tudo muito estranho a uma geração anterior à nossa, mas faz cada vez mais sentido para famílias sem ajudas externas. Muitas vezes, ou melhor, quase sempre, uma refeição quente é tudo o que os pais precisam. O leite do bebé está sempre assegurado mas o jantar dos pais nem por isso.  

Ao contrário do que constantemente oiço dizer, para mim o primeiro ano passou muito lentamente. As noites, quando passadas acordadas, são intermináveis. Perde-se a conta se é dia, se é noite, num loop constante. Não se sabe a quantas se anda e a perda de memória é uma das consequências mais imediatas. Refeição a tempo e horas? Sabemos lá nós quando é que comemos pela última vez…

Nos primeiros meses só conseguia jantar a partir das 23 horas. Há gente que está tão cansada que não janta sequer, vai directa para a cama. Mas se o jantar tiver vindo à montanha, a coisa muda de figura…

Como é que eu sobrevivi? Aceitando a ajuda de toda a gente com a mãe e a sogra na linha da frente. Afinal, como dizem os anglo-saxónicos, it takes a village to raise a child.

E com as senhoras, como foi no vosso caso? Tiveram ajudas?

Até para a semana com o tema das manhas.
Paula

Nota: ilustração de Nathalie Jomard.

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