Queridas senhoras,
A síndrome mão-pé-boca do meu filho impediu-me de vos escrever
a semana passada, mas agora com o rapaz recomposto já voltei às teclas do
computador.
Desde os primeiros dias do pequeno, ainda estávamos na
maternidade, que oiço dizer que ele já tem manhas.
Manhas, manhas, manhas… Alguém me sabe explicar o que são
manhas?
Eu já ouvi de tudo, uma coisa e o seu contrário, como sendo
um exemplo de manhas e fico baralhada.
Por exemplo, quando tinha poucos meses o meu filho gostava
de andar de carro mas chorava quando eu parava num sinal de trânsito. É fácil
de perceber: ia embalado para o sono e de repente acabava-lhe com a festa. Veredicto:
manha.
A Leonor enjoava e com quatro anos ainda chorava cada vez
que tinha de andar de carro. Os pais tinham de levá-la a dormir para conseguirem
ter uma parte da viagem descansados. Veredicto da boca da mesma pessoa: manha.
Em que é que ficamos?
É manha gostar de andar de carro, mas não gostar é manha na
mesma?
Assim de rajada, eis-nos então chegados ao mandamento
número três da visita a um recém-nascido:
Não mandarás bitaites.
Não menosprezem este mandamento que é, talvez, o mais
importante de todos porque é transversal a tudo. Bitaites inclui também
comparações com filhos alheios. Cada criança é uma criança e diferente das
demais. Se o filho da amiga se comportava de uma maneira na situação x, não
quer dizer que outro filho de alguém também o faça.
Em contrapartida, se a mãe pedir conselhos, força nisso. Mas
sempre tendo o cuidado de evitar a típica frase sabichona do: “tens” ou “deves fazer
assim…”.
Nunca me hei-de esquecer da história da mãe aflita que pediu
ajuda a um grupo de amamentação porque o filho com apenas algumas semanas já
estava cheio de manhas e não queria mamar no peito esquerdo. Que sempre lhe
disseram que eles têm um peito preferido, mas neste ele não tocava, de todo.
Ora, como a enfermeira do grupo logo explicou, o bebé não
sabe o que é o esquerdo nem o direito. Se isso acontecia é porque alguma coisa
se passava. Foi então pedido à mãe que se apresentasse presencialmente (passe a redundância) para
avaliarem o caso.
A criança chorava desalmadamente quando a mudavam de peito
porque tinha um torcicolo e não se podia deitar para aquele lado.
Mas manhas são birras? Pergunto eu que não sei o que são
manhas.
É que se forem birras fica estranho dizer que um
recém-nascido está a fazer uma birra descomunal porque tem fome, ou porque tem
a fralda suja, ou porque quer colo.
Um bebé não fala, não domina sequer a língua gestual. A
única forma de comunicar que tem é chorando quando alguma coisa lhe falta,
inclusivamente o colo.
Leram bem, a necessidade de colo num recém-nascido é tão
importante quanto a satisfação da fome ou a manutenção de um rabo limpo e seco.
Ainda a semana passada tive uma conversa com o pediatra do meu
filho sobre as crianças que viviam em orfanatos até ao
início do século passado. Morriam praticamente todas antes dos dois anos. Elas
não estavam doentes e não passavam fome mas também não tinham afecto nem colo.
Bebés mais pobres e a viver em degradantes condições de vida
conseguiam ter uma longevidade maior do que crianças institucionalizadas. Seria
pela simples razão que tinham amor no seu seio familiar?
Para tirar isso a limpo alguns iluminados quiseram fazer
experiências macabras em orfanatos da Europa de Leste, Roménia essencialmente.
As ordens eram explícitas aos cuidadores de bebés abandonados ou que perderam
os pais: nada de “festinhas”, colo e contacto olhos nos olhos. Já
imaginam as conclusões a que chegaram... Nunca se ouviu: "eu não tive afecto nem colo e sobrevivi."
Por isso triste é volta e meia ouvirmos alguém falar que o
colo vicia, que o filho com quatro anos ainda pede o colo dos pais e que já não
devia e por aí fora. Este cheiro a “bafio”, a ideologias do século passado,
ainda perdura em muito português e imaginem, classe médica incluída. Terão eles
lido a teoria do dr. Holt, o médico “visionário” que recomendava a abolição de
contacto físico com os bebés nomeadamente para adormecer ou quando choravam?
Colo é alimento. Nunca se esqueçam disso. Colo é alimento.
- Olha não se calou ao meu colo e calou-se logo ao colo da
mãe. Já cheio de manhas…
O que comentar aqui? Há uma frase que é todo um axioma e que
se aplica que nem uma luva a este caso: mãe é mãe. Pode parecer básica mas
encerra todo um tratado de filosofia.
Um recém-nascido é uma tábua rasa, não sabe nada, tem de
aprender até a mamar. Das poucas coisas que ele conhece é o toque, a voz e o cheiro da mãe. Os 9 meses de gestação
ajudam a explicar esse facto. Mas isso todo o mundo já sabe, não é?
Hoje sabemos também que bebés que receberam mais afecto
(importância da pele com pele com os progenitores) são crianças e adultos mais
seguros de si, o que faz todo o sentido. A teia familiar vai segurá-lo quando
ele mais precisar e isto não se passa em conversa, tem de ser sentido.
Ainda sobre o choro há até workshops para tentar interpretá-lo e
inúmeros livros publicados sobre o
tema. Um assunto para ser levado a sério.
E as minhas queridas senhoras, ainda se lembram de algum
bitaite que vos tenha marcado?
Até para a semana com o tema da amamentação.
Já de seguida, as crónicas anteriores.
Nota: ilustração de Nathalie Jomard.
Paula
Nota: ilustração de Nathalie Jomard.
Sou mãe! Mas já fui menina / filha e infelizmente não tive direito a certas manhas.... Mas a verdade é que isso faz, sim senhora, parte do crescimento. Ainda fui e vou a tempo de poder enfrentar as manhas todas dos meus filhotes 😍 e acima de tudo lembrar-me delas com imensas saudades!
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