Doze semanas

Queridas Senhoras,

O Acontecimento é a história de uma jovem mulher, Anne, que tenta recuperar o controlo do seu corpo. No início vemos como esse corpo se move, estuda, pensa, dança, seduz, interage com as amigas, acolhe os afectos da família. Depois, a rapariga descobre que está grávida e o que se segue são doze semanas de luta sem tréguas para resgatar o seu corpo.

A realizadora Audrey Diwan leu o livro autobiográfico de Annie Ernaux, em que o filme se baseia, depois de ela própria ter feito um aborto. Uma frase ficou gravada e levou-a a fazer o filme: «O tempo deixou de ser uma sucessão de dias, tornou-se essa coisa informe que avançava no interior de mim». É uma frase dura, terrível. A nossa moral, tudo o que está entranhado em nós, tende a achar esta frase assustadoramente crua.

O filme (e suponho que o livro, pois é esse o estilo de Annie Ernaux, de quem só li Uma Paixão Simples, um relato absolutamente cru, que não hesita, não se desvia) não poupa o espectador a nenhuma crueza. Ao longo de uma hora e quarenta minutos somos íntimos daquele corpo, mais íntimos do que desejaríamos, pois não há elipses, tudo nos é mostrado.

A história não é desta época, mas a história é desta época, de qualquer época. O corpo da mulher sempre foi julgado, vigiado, medicalizado. Quando esse corpo é jovem, belo, ágil, fértil, o julgamento e a vigilância intensificam-se. Todos se sentem no direito de escrutinar e controlar o corpo de Anne. As amigas, as colegas, os amantes, os médicos, os professores. Ela tudo fará para se libertar dessa opressão, para se livrar da "coisa informe", assumir o desejo sexual, prosseguir os estudos e declarar o que pretende: escrever.

Céu

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