Esta mulher é do Norte



Este texto não contém linguagem susceptível de ofender a sensibilidade dos leitores porque a autora não é do Norte e, como tal, usa “gravata na língua”.

Queridas Senhoras,

li hoje a seguinte citação: “John Cage dizia que, em vez de lermos todos o mesmo livro, cada um podia ler um livro diferente e depois contar ao outro”.

É uma ideia mas com certos livros não dá mesmo para fazer isso. Por muito que me tenham contado sobre O Meu Amante de Domingo de Alexandra Lucas Coelho, tinha uma vontade enorme de o ler em primeira mão. Agarrei o primeiro exemplar que pude.

Não dá para disfarçar. Depois de tudo o que li, estava mortinha por conhecer essa personagem feminina de 50 anos que é “caso praticamente único na literatura portuguesa”. Essa mulher com tantos elementos biográficos em comum com a autora, que usa uma linguagem desbragada, despudorada. Uma recensão referia que a personagem só seria, talvez, comparável a Maria dos Canos Serrados (heroína da obra com o mesmo nome de Ricardo Adolfo). Não li mas sei que essa Maria é uma mulher de armas da Linha de Sintra, criada ali entre a Rinchoa e Rio de Mouro. Como betinha privilegiada da melhor zona da Reboleira, tenho uma pista ou duas sobre ela e sobre o modo com se expressa.

Mas agora uma doutorada em Literatura Comparada, ainda que do Canidelo, a utilizar calão, palavrões, vernáculo, à velocidade com que despacha garrafas de vinho à sombra das árvores num almoço de cabrito em Nafarros?

Os palavrões estão lá em todas as páginas (todas mesmo), as cenas de sexo explícito também, o aviar de amantes uns atrás dos outros idem. Mas que desplante é este de cinquentona (enxuta, é certo) assanhada? Então não é aos 50 que as mulheres perdem interesse pelo sexo?

Que descansem os mais puritanos (ou não). As referências literárias abundam no meio dos palavrões, o cânone é amplamente citado. Nelson Rodrigues dá a bênção, Joyce acompanha a acção e Balzac… bem, Balzac, se não estiver a dar voltas no túmulo, ficaria banzado com esta actualização d’ A Mulher de Trinta Anos. As de 30 hoje são miúdas. Se querem uma mulher com lastro, conheçam esta mulher do Norte sem travão na língua.

Beijinhos a todas,

Céu

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