Os leitores falam às Senhoras: Hugo Xavier (E-Primatur)



Queridas Senhoras,

imaginem uma editora onde os leitores têm uma participação activa nos projectos de edição, isto é, podem apoiar financeiramente a edição de um livro, em 2/3 do seu valor, e recebê-lo depois em casa sem mais custos. Chama-se crowd publishing. A Marta aderiu ao sistema e arranjou lenha para se queimar: apoiou Contos Completos e Outros Textos de Marcel Proust e agora prepara-se para se atirar aos sete volumes de Em busca do tempo perdido. O «culpado» desta aventura é Hugo Xavier, um dos responsáveis da E-Primatur, editora que fundou em 2015 (com Pedro Bernardo e João Reis) com o objectivo de «preencher lacunas graves no panorama cultural/editorial português». Nascido em 1976, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras, Hugo Xavier tem já um longo caminho percorrido no mundo da edição. Começou na Vega, fundou a Cavalo de Ferro (com Diogo Madre Deus), dirigiu a Ulisseia (grupo Babel), fez traduções. A par da E-Primatur, criou em 2016 a Bookbuilders.

1. O que está a ler neste momento?

Sasha Abramsky: The house with 20.000 books. Uma memória/biografia de um jornalista sobre o seu avô, um dos maiores coleccionadores de livros do Reino Unido e uma personalidade única. Um livro que é, ao mesmo tempo, memória e biografia mas também um estudo sobre como é possível construir um edifício intelectual com base na leitura, uma casa dentro de casa.

2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?

O que li antes é segredo - motivos profissionais. Mas antes do que li antes, consultei o Dicionário Cómico de Vilhena. Lerei a seguir a edição da obra completa de Manuel de Lima (prestes a sair na Ponto de Fuga).

3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros

Conto sempre sobre como era editor avant-la-lettre desde os meus tenros anos: descobri numa arca (do tesouro) milhares de livros e revistas - deviam ser centenas mas pareciam milhares - que tinham pertencido a tios e avós. Estava a arca na "casa da caldeira" da casa dos meus avós paternos no Porto. Ao longo dos anos seguintes fui vasculhando e pilhando. Uma das coisas que fazia era recortar as melhores histórias de revistas de BD brasileiras dos anos 40 e 50 (valiosíssimas hoje) e colá-las em publicações minhas (molhos de páginas) numa espécie de best of. Estava, portanto, a ser editor.

4. Que livros marcaram a sua adolescência?

Os livros das colecções da Civilização nos anos 50 e 60 (que eram traduções das grandes colecções juvenis da Grosset and Dunlap, como a série We were there em que protagonistas da "minha idade" viviam aventuras próprias no meio da aventura dos grandes momentos da história da humanidade). Os grandes livros de aventuras eram o meu vício embora lesse já outras coisas. Daí que continue a achar A Ilha do Tesouro um dos melhores livros de sempre. Os autores daquela época são ainda vícios de hoje: Verne, London, Twain, Conan Doyle, Dickens, Walter Scott, Dumas... Mas na verdade eu lia qualquer coisa, e rápido. Lembro-me de despachar dois livros grandes a cada três dias durante as férias.

5. Um local público onde goste de ler

Leio em qualquer lado, não tenho preferências. Desde que não haja luz a mais - vejo mal e demasiada claridade incomoda.

6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)

Cama com gatos.

7. Uma biblioteca importante para si

A do meu avô materno e a minha. A primeira foi a formativa a segunda é um projecto em curso. Já tive mais de 16 mil livros mas tenho reduzido e especializado. Nunca gostei de bibliotecas pois, nos meus tempos de estudante, eram demasiado burocráticas e sempre que eu precisava de um volume menos fácil de conseguir ia a alfarrabistas e arranjava-o. Nunca fui coleccionador de livros, sou antes leitor, não me interessavam primeiras edições ou se havia buracos de caruncho ou capas soltas desde que o livro não se desfizesse totalmente enquanto o lia.

8. As livrarias que costuma visitar

Galileu, Letra Livre, muitos alfarrabistas, FNAC, Lunadil (Oeiras), INCM, e outras ao acaso. Ossos do ofício: leio muito mais em "estrangeiro" a pensar no que hei-de publicar em português.

9. Uma editora de que goste particularmente

Para além da minha? Há poucas editoras com identidade e coerência em Portugal. A Antígona talvez, hoje em dia. Mas as minhas editoras e colecções preferidas são de outro tempo: a Estúdios Cor, a Portugália, a Inquérito dos anos 40 e a Ulisseia.

10. Que livros gostaria de reler?

Reli muito poucos livros na minha vida - o trabalho de um editor é ler sempre "para a frente". Os que reli não posso mencionar que hei-de os publicar um dia.

11. Que livros está a guardar para ler na velhice?

Aqueles que provavelmente não vou ler na velhice. Os livros que vou empurrando para a frente são livros que não me entusiasmam no momento e desconfio que, na realidade, não me vão entusiasmar no futuro.

12. Acessórios de leitura que não dispensa

Óculos uso que vejo mal mas é para ler ou qualquer outra coisa. O meu grande acessório de leitura (que infelizmente não posso "usar" continuamente sempre que estou a ler) é a música.

13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?

Põe-se de lado, logo. Nunca mais de 50 páginas. Há tanto livro para ler e a vida é curta.

14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?

Fazer livros é a minha vida e considero e defendo há anos que é preciso perceber a história e a memória de um ofício para o fazer bem. Leio livros sobre livros, memórias de editores, livreiros e impressores. Uns recomendam outros. Outras vezes é a simples pesquisa sem objectivo concreto. As memórias de Feltrinelli, o editor que morreu a construir uma bomba para colocar no Parlamento, as memórias de André Schiffrin, Michael Korda, William Targ, o mítico Curll, etc., desde Aldus Manutius, todos explicam, independentemente do período histórico em que viveram, os erros recorrentes do mundo da edição, todos revelam como a indústria do livro, mesmo na era do digital, não tem nada de novo.

15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade

"Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Read again. Read better." (não é bem assim mas serve).




Beijinhos a todas,

Céu

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