Queridas Senhoras,
ando a ler o livro de crónicas de Paulo Varela Gomes (1952-2016), Ouro e Cinza (Tinta-da-China, 2014). Embora seja uma leitora razoavelmente assídua de crónicas de jornais, não tenho memória de em alguma época ter acompanhado os textos de PVG. Encontrava por vezes referências e citações de outros mas não tinha um conhecimento directo.
Ora o facto de desconhecer o teor e o estilo dos textos torna esta leitura uma experiência duplamente agradável. Porque são de facto muito bons e são novos para mim. O autor (que foi historiador de Arte e Arquitectura) seleccionou e reuniu textos escritos ao longo de vários anos e agrupou-os em categorias temáticas ou de «afinidades instintivas» (Bichos, Com os olhos, Este país, Indianas, O Campo, O Tempo). A belíssima recensão de António Araújo pode ser lida aqui.
As crónicas indianas, sobre a vida na Índia e em especial em Goa, são fascinantes, num tom encantatório, inebriante. PVG enfeitiça-nos quando escreve sobre o passado português de Goa e a cultura indo-portuguesa. Como sei pouco ou nada sobre o assunto, acho estes textos belos e reveladores.
“Na noite de Natal, à medida que as horas passam, as ruas das cidades e aldeias de Goa enchem-se de gente. Os homens de fato completo escuro, camisa branca e gravata. As mulheres mais jovens de classe média com vestidos de modelos tirados das revistas ou da televisão e extravagantes sapatos de salto alto. Nos bairros ou nas aldeias populares, desfilam silhuetas da década de 1950: saias plissadas, ombros tufados, brilhos de cetim e seda. Automóveis e motos circulam devagar por entre as famílias que passam e trocam cumprimentos debaixo da luz dos candeeiros e dos faróis. Rapazes e raparigas miram-se discretamente. Pouco a pouco, enchem-se de gente as igrejas e as muitas filas de cadeiras alinhadas na rua em frente das suas portas. São milhares de pessoas. Na noite da missa do Galo, as ruas de Goa pertencem aos católicos.”
[Pátria incerta, pp. 173, 2008]
“Goa é o único sítio do mundo onde o português não é língua de porteiras, lojistas ou aldeãos emigrados, mas uma língua elegante que distingue quem a utiliza. Sobretudo, é a língua que imediatamente cria entre os seus falantes reunidos em festa uma espécie de encantamento colectivo, como se todos pertencêssemos a um clube muito antigo e muito distinto.”
[Clube Harmonia, pp. 178, 2008]
Hoje é 31 de Agosto e ainda agora vinha a ler o texto que PVG escreveu sobre o filme de Miguel Gomes, Aquele querido mês de Agosto (não parece mas já passaram oito anos: o filme é de 2008). Chamem-me outra vez sentimental, a ver se me importo! PVG debulhou-se em lágrimas quando viu «a serra, as árvores, o céu, os homens, a música, o tempo que passa e muda», sinto-me legitimada! Hoje é dia 31 de Agosto, falta um ano inteirinho para ser outra vez «Verão dos franceses».
“Nada foi filmado por ser bonito e nada é bonito, antes evidente: os montes crestados pelos incêndios, a densidade abafada do eucaliptal, o silêncio do sol do meio-dia, o cheiro pesado das adegas, o tijolo e o cimento à vista das casas sempre inacabadas, o serpentear incerto das estradas do pinhal, a dança alegre mas formal dos pares no terreiro nocturno. (…) Chorei durante o filme porque na precisão sem mácula de todos os planos foram-me devolvidos em estado incandescente, a arder de paixão, a serra, o pinhal, o Verão dos «franceses» e dos incêndios (…).”
[Pinhal Interior, pp. 190, 2008]
Beijinhos a todas,
Céu
[...] de ter lido o livro de crónicas Ouro e Cinza de Paulo Varela Gomes (sobre o qual escrevi aqui), fiquei com muita curiosidade em ler os seus romances. Na Biblioteca Municipal da Amadora [...]
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