A promessa

 

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Queridas Senhoras,

sei que me dão o desconto e já não estranham, que por esta altura do ano, chegue o meu relambório sentimental sobre a ida à aldeia. É todos os anos um bocadinho, tenham lá paciência. Falo sempre da paz e dos cheiros, de como quando estou à beira do rio não quero estar em mais lado nenhum, não estou a pensar no que vou fazer a seguir [o rio da minha aldeia não faz pensar em nada]. E que grande bem, que grande descanso, ter a cabeça onde o corpo está, tudo assim junto e quieto.

Se considerarmos que isto é uma viagem anual de descoberta, este ano avancei mais um pouco. Foi uma coisa fugaz, um vislumbre, a ver se ainda o consigo reproduzir por palavras, apesar desta neura de fim de férias.

Já aqui falei várias vezes do poder emotivo dos cheiros. Um cheiro comum, geral, que me diz que estou na aldeia, e os cheiros específicos, do rio, das ervas, das pedras no fundo do rio, da caruma no pinhal, dos barrocos, das casas, do pó da estrada.

Houve um momento estes dias, quando fui passear numa zona do rio que hoje já não é frequentada, mas que era para onde íamos quando eu era pequena, em que senti um cheiro tão intenso que me fez ouvir os risos e o chapinhar no local agora vazio e cheio de mato.

Era cedo, não havia ninguém, mas o céu inteiramente azul e o sol forte já abençoavam as margens do Mondego. E então senti o cheiro e num segundo percebi o que era e isso fez-me chorar, ali, naquele instante.

Era uma sensação de profundo bem-estar e segurança misturado com excitação, entusiasmo, promessa de coisas boas e inesperadas. Não sabemos o que vai acontecer mas sabemos que vai ser bom. Tal como a rede que estendíamos entre duas árvores, havia o balanço suave dos dias, seguro e protegido, mas também largo e emocionante.

Hoje procuramos sobretudo evitar chatices. É assim que vivemos. Isto pareceu-me de repente muito triste, viver só a escapar de chatices. Mas depois pensei que os meus filhos devem estar agora a descobrir esse mesmo cheiro, ainda sem saber o que é. Entusiasmo, gozo, promessa, aventura. E tive inveja deles.

Beijinhos a todas,

Céu

 

 

 

Comentários

  1. [...] mês de Agosto (não parece mas já passaram oito anos: o filme é de 2008). Chamem-me outra vez sentimental, a ver se me importo… PVG debulhou-se em lágrimas quando viu «a serra, as árvores, o céu, os [...]

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