Num Verão passado



Queridas Senhoras,

«Paulo Varela Gomes escreve de uma forma terrivelmente magistral», lê-se numa entrada de 29/1/2013 do blogue Malomil, a propósito da publicação de O Verão de 2012.

Este foi o primeiro romance de PVG, que li de uma penada (curto, apenas 145 páginas), perseguindo o objectivo de ler tudo o que o autor publicou (lidos e comentados aqui, Hotel, A Guerra de Samuel e o livro de crónicas Ouro e Cinza).

«Assustador de tão belo», diz o Malomil, num exagero que desculpamos porque somos vitimas do mesmo feitiço. Não sei explicar qual é exactamente o mistério, o milagre, a causa ou o efeito, mas desde que peguei nas primeiras linhas escritas por PVG, senti essa atracção.

Em O Verão de 2012 o narrador é o psiquiatra de P., um homem doente, com pouco tempo de vida, a quem foi diagnosticado um cancro. Ao longo desse Verão, P. vai sendo assolado por sinais de degenerescência, devastação, apocalipse e morte. As condições climatéricas são uma das suas principais obsessões e no terrível calor que se faz sentir, na seca e no sol maléfico, P. detecta o mal e a destruição. Cães velhos e doentes, plantas deformadas, paisagens doentias, tudo concorre para uma progressiva asfixia. No diário de William Beckford sobre o Verão de 1787 na casa do Ramalhão, em Sintra, leitura que acompanha P. nesse Verão, o clima é outro, frio e ventoso, mas igualmente ameaçador e opressivo.

Misto de ficção e ensaio (registo comum, aliás, ao que lemos anteriormente), aqui são abordados temas recorrentes na sua obra, como os malefícios do progresso, a fealdade estética, a relação com as plantas e os animais, a abominação chamada capitalismo.

Durante o Verão P. e a mulher passam uma semana de férias numa «vila de praia» do sul de Portugal. O olhar de P. já não consegue ver senão o lixo e a podridão:

«Em todas as sarjetas de sul de pobres, há sacos de plástico, pedaços de papel de jornal amarelecido, garrafas partidas, lixo espalhado em frente das montras rachadas, onde empalidecem de sujidade os letreiros da troika e dos filhos da puta que a troika serve, «Vende-se, «Aluga-se», «Trespassa-se».
pp. 89

Para não terminar com esta nota negativa, e como por estes dias estamos todos espalhados por diversas «vilas de praia», veja-se o que contrapõe o psiquiatra de P. a esta visão pessimista. Saibamos apreciar e cuidar.

«Sobre muitas casas foram construídos pequenos mirantes que permitem olhar para a ria, saber da maré e do vento (...) Aqui e ali vêem-se alguns palacetes (...) Por todas as ruas e becos, pelo largo da igreja no alto do monte, pelas praças e pracetas, por toda a parte, há coisas interessantes e vivas para ver. (...) Estamos num lugar. »
pp. 95-97

Continuação de boas férias no vosso lugar.

Beijinhos a todas,


Céu

Comentários