Um ano em branco


                                                 (É a primeira vez que começo o ano sem agenda.)

Queridas Senhoras,

os últimos meses foram pródigos em acontecimentos que não pude partilhar aqui. Sabia desde há quase um ano que ia ficar sem trabalho no final de 2017. Começou então a aventura em busca de um novo emprego com a emoção acrescida de ter decidido manter segredo da situação em relação a familiares e amigos próximos. O primeiro impulso foi não contar para não preocupar e não criar uma tensão desnecessária na família. Assim se evitaram muitos almoços de domingo estragados a falar de desemprego. E pudemos continuar a discutir saudável e aguerridamente o feminismo e outros temas que tanto apimentam as nossas refeições em comum.

Mas a primeira pessoa a quem tive de “contar” foi a mim própria. Perceber como me sentia em relação a isso e porquê. Para lá das desvantagens óbvias e imediatas de ficar sem emprego, há um sentimento que se instala que tem a ver com fracasso, incerteza, dúvida mas mais do que isso, uma espécie de despersonalização. Saber quem somos fora dos papéis que cumprimos. Se não sou a pessoa X que cumpre um papel em determinado local das 9h às 19h (para logo vir cumprir outros das 20h às 23h, sem tempo para pensar muito em nada), então quem sou eu? Quem sou eu, se já não for precisa a horas certas em lado nenhum?

Logo de seguida, dei graças por ter tantos e tão diversificados interesses. E tornou-se-me muito claro por que é que não devemos investir tudo no trabalho ou na família ou seja no que for. O sábio conselho de não colocar todos os ovos no mesmo cesto aplica-se na perfeição. Rapidamente me veio à cabeça tudo aquilo que enche a minha vida de beleza e variedade, com a família à cabeça, mas também este blogue, os livros, as Capazes, o yoga, a corrida. E naturalmente os amigos. Saber que existem e estão à distância de um telefonema se de repente me for abaixo e precisar mesmo de dizer a alguém “olha, estou cheia de medo, vou ficar desempregada.”

Anúncios, testes e entrevistas

Este post pretende sobretudo ser divertido. Por isso, animem-se, o pior já passou. A grande surpresa de começar a procurar emprego foi verificar que, de facto, tinha algumas hipóteses. Quase de imediato comecei a ser chamada para entrevistas. Coisas a sério, via skype e tudo. Ponderei se teria de fazer um vídeo ou um pitch mas fiquei-me por um refresh ao CV.

Mas o candidato a um emprego é um pouco um saco de pancada. Pedem-nos imensos testes. Sem adiantarem grandes informações nem explicações. Ainda não podem dizer do que se trata. O telefone toca, o número é desconhecido e eu fico logo em pulgas, entre fascinada e amedrontada. Onde e a que horas? Para entregar até quando? É tudo o que podemos perguntar.

No meu périplo, nada bate a noite de meados de Agosto em que me vi a escrever sobre…unhas de gel. Sim, a amarga ironia de sonhar em trabalhar numa prestigiada editora e estar a pesquisar à meia-noite sobre tendências da nail art. Mas porquê, perguntam vocês, porque te deste a esse trabalho?  Porque nunca se sabe. Esse é o princípio sagrado da procura de emprego. Nunca se sabe o que pode surgir de algo que não tem nada a ver connosco. Nunca se sabe se uma coisa não puxa outra. Nunca se sabe se ao princípio não gostas mas depois até descobres uma vocação. Eu acho que quem diz isto andou a ver muitos filmes. Mas nunca se sabe.

As unhas de gel foram o meu momento “tão mau que é bom”. Mas se querem um momento de glória a sério, então terei de eleger a entrevista numa distinta casa editorial onde o Editor teve a amabilidade de me oferecer um livro de um autor que daí a poucos meses viria a receber o Nobel da Literatura.

Um ponto de viragem fundamental neste emocionante percurso foi quando percebi (mas levei tempo a chegar lá!) que o melhor que tinha a fazer, para não correr o risco de ficar parada, seria inscrever-me num mestrado. Providencialmente, ainda fui a tempo da segunda chamada do mestrado em Edição de Texto na FCSH. O resto é história. A escola veio enriquecer o bolo de beleza e variedade da minha vida.

Como estudante, ganhei outro alento para a procura de emprego e entrei num período vertiginoso de actividade com o trabalho em horário de expediente, a escola no pós-laboral, mais as entrevistas e os testes solicitados pelos futuros possíveis empregadores.  O bom desempenho escolar deu-me alento e confiança. O simples facto de ter alguém a elogiar o nosso trabalho tem um efeito regenerador. Sabemos como o elogio e o voto de confiança andam muitas vezes arredados do dia-a-dia das empresas. Reencontrar na escola esse mecanismo simples de trabalho e recompensa fez-me acreditar mais nas minhas competências e abrir o leque de possibilidades.

O texto vai longo, sei que já poucos estarão a ler (obrigada, Mãe), mas está mesmo a acabar. O título do post é enganadoramente dramático: 2018 não é um ano em branco. Mas é a primeira vez, desde os seis anos, que não tenho um sítio certo para ir amanhã. O que não é mau de todo.

Beijinhos a todas,

Céu

Comentários

  1. Gostaria de ter a sua postura face ao desemprego. No meu caso é ja de muito longa duração, com problemas financeiros graves, o que condiciona muito uma postura otimista, mas adorava voltar a estudar e concretizar um sonho de há muitos anos.

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