Os leitores falam às Senhoras: Alda Rodrigues (tradutora)



Queridas Senhoras,

no passado dia 22 de Novembro, assisti a uma excelente conferência de tradutores (audio disponível aqui) com cinco participantes (dois deles já entrevistados aqui no blog), entre os quais estava Alda Rodrigues. Antes de ser tradutora a tempo inteiro, trabalhou uma década em lexicografia, ou seja, fazia dicionários. Gostei muito da maneira como descreveu a diferença entre as duas artes: quem dicionariza procura incluir todas as acepções da palavra; quem traduz, procura uma única acepção, a melhor, a mais exacta. O papel das palavras no cinema foi tema de mestrado (e podemos acompanhar a sua cinefilia no blog Cinéfilo Preguiçoso) e o doutoramento em Teoria da Literatura versou sobre colecções e museus. Na revista Forma de Vida assina a coluna Faca de Papel.


1. O que está a ler neste momento?

Estou a terminar The Visiting Privilege, uma antologia de contos da escritora americana Joy Williams. São contos sobre personagens que falharam algures ou tiveram de lidar com o fracasso de alguém próximo e não sabem muito bem o que fazer com a vida – no reverso da perspectiva triunfalista que tantas vezes caracteriza o discurso americano. Um dos aspectos mais interessantes destes textos é o modo como alguns acontecimentos assumem uma estranheza que pode derivar apenas de más interpretações das personagens.
Quando faço intervalos ao longo do dia, leio os aforismos e pequenos ensaios de Tel Quel, de Paul Valéry. É um livro de muitas páginas, que comecei há vários meses e vou intercalando com leituras mais rápidas ou urgentes.

2. O que leu antes e o que vai ler a seguir?

Antes: Landscapes: John Berger on Art; Selected Poems 1950-2012, de Adrienne Rich.
Depois: Henry David Thoreau: A Life, de Laura Dassow Walls; Collected Stories, de Susan Sontag; Insomnia, de Marina Benjamin.

3. Conte-nos uma memória de infância relacionada com livros

Eu morava numa aldeiazinha (agora cidade) nos arredores do Porto onde não havia muito para fazer. Felizmente, a biblioteca itinerante da Gulbenkian passava por lá pelo menos uma vez por mês, geralmente à sexta-feira. Para mim, era sempre um dia de festa. O condutor da carrinha deixava-me requisitar dez livros. Antes de o fim-de-semana acabar, já tinha devorado vários volumes, que às vezes relia mais tarde, se o prazo de entrega ainda estivesse distante. (Deve ser uma recordação partilhada por muita gente que em criança viveu longe das grandes cidades.)

4. Que livros marcaram a sua adolescência?

Início da adolescência: Mulherzinhas, de Louisa May Alcott; Clarissa, de Érico Veríssimo; romances de Júlio Dinis; Monte dos Vendavais, de Emily Brontë; A Mais Bela História: A Bíblia em Banda Desenhada, de vários autores; Deuses e Heróis da Grécia Antiga, de Michael Gibson; A História Interminável, de Michael Ende; sonetos de Florbela Espanca; poemas de Eugénio de Andrade.
Mais para o fim da adolescência: Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar; A Imortalidade, de Milan Kundera; Mulheres Apaixonadas, de D. H. Lawrence; A Montanha Mágica e Os Buddenbrook, de Thomas Mann; Contraponto, de Aldous Huxley; A Música do Acaso, de Paul Auster; Perturbação, de Thomas Bernhard; Aparição, de Vergílio Ferreira; Jacobo e Outras Histórias, de Teresa Veiga; Uma Paixão Inocente, de João Miguel Fernandes Jorge; poemas de Fernando Pessoa e heterónimos; poemas de A Arte da Música, de Jorge de Sena.

5. Um local público onde goste de ler

Raramente leio em locais públicos, por não me conseguir concentrar.

6. O seu recanto preferido de leitura (em casa)

Uma poltrona no quarto, junto à janela, na zona da casa de que os gatos mais gostam.

7. Uma biblioteca importante para si

A Biblioteca da Gulbenkian, que frequentei durante o mestrado e o doutoramento. Não só encontrava ali um grande número dos livros de que precisava, como era um prazer passar ou passear pelos jardins à chegada e à partida. Quando levantava a cabeça, os turistas bebendo sumo de laranja na esplanada visível através das janelas da biblioteca eram sempre fonte de curiosidade e inveja para mim, ajudando-me a sonhar.

8. As livrarias que costuma visitar

Em Lisboa, visito as Fnacs, a Barata, na Avenida de Roma, a livraria da Sistema Solar, no Chiado, a Letra Livre, a Almedina da Gulbenkian. Quando estou no Porto, tento ir à Flâneur. Por uma questão de comodismo, rapidez e diversidade, sou também, com alguma vergonha, uma grande cliente da Amazon.

9. Uma editora de que goste particularmente

A Fitzcarraldo. É uma editora com um catálogo muito original, que se divide em ensaio (capa branca) e ficção (capa azul). Começou só com uma pessoa, mas tem-se desenvolvido graças às boas escolhas do editor. É um bom exemplo de como é possível ter sucesso publicando livros de qualidade.

10. Que livros gostaria de reler? 

As Ondas, de Virginia Woolf; Petits Traités, de Pascal Quignard; e The Collected Stories, de Lydia Davis. Já li os dois primeiros há muito tempo e queria recordá-los. Quanto ao terceiro, gostava de ler os textos mais lentamente do que da primeira vez.

11. Que livros está a guardar para ler na velhice?

Porque nunca se sabe o que o futuro trará, tento ler logo que possível todos os livros que me interessam.

12. Acessórios de leitura que não dispensa

Lápis e marcador de leitura.

13. E se um livro não prende, põe-se de lado ou insiste-se?

Não desisto facilmente, mas durante um ano de leituras há sempre dois ou três livros que deixo por acabar.

14. Costuma ler sobre livros? Quais são as suas fontes?

Leio, entre outros: Times Literary Supplement, London Review of Books, New York Review of Books, Literary Hub, LA Review of Books, The Millions. Sobre tradução, tenho lido muitos textos interessantes em Asymptote. Costumo também ouvir programas de rádio sobre livros: além dos podcasts das publicações já referidas, destaco: Bookworm; Writers & Company; A Phone Call from Paul.

15. Uma citação inesquecível que queira dedicar às Senhoras da Nossa Idade

Talvez a última frase do livro que estou a traduzir – A Time of Gifts, de Patrick Leigh Fermor: “Não queria chegar atrasado.”





Beijinhos a todas,

Céu

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