Eu ainda sou do tempo das máquinas de escrever

Minhas queridas senhoras,

quando eu digo que ainda sou do tempo das máquinas de escrever, devia acrescentar 'muito tempo'.

Lá por casa havia umas máquinas de escrever, não por algum motivo romântico, mas porque a casa era, às vezes, também escritório. Sempre gostei de brincar com as teclas, as folhas de papel químico, os rolos de fita preta e vermelha, as tiras de papel corrector.

Depois, passei a achar que as minhas 'costurices' assumiam um ar mais sério quando dactilografadas.

[caption id="attachment_1813" align="aligncenter" width="529"] Capa da edição de Setembro de 2011 da revista australiana Smith Journal[/caption]

As minhas primeiras experiências em jornalismo, por volta dos 16/17 anos, também se fizeram 'à máquina'. Provavelmente, no início dos anos 90, já havia computadores em muitos jornais portugueses... mas não no singelo jornal regional da minha terra.

Mas a história não acaba aqui. O meu primeiro emprego 'a sério', em que, entre as minhas diversas atribuições, se incluíam a escrita de cartas, press releases, traduções de peças teatrais e textos para programas com 100 páginas, tudo 'à máquina', durou até ao final de 1999. Na altura, como vocês bem sabem, já toda a gente trabalhava com computadores. Mas não nesse meu emprego.

Esta trip down memory lane foi despoletada pela capa da edição de Setembro de 2011 da revista Smith Journal, uma belíssima publicação australiana dedicada a, digamos, cavalheiros. Imagino que os seus fundadores pudessem ter-lhe chamado 'Senhores da nossa idade', ao criarem o conceito de uma revista 'que eles gostassem de ler'. Diz-te alguma coisa, Mariana?

O texto que corresponde à dita capa (na imagem acima) pode ser lido no blogue do seu autor, o escritor Benjamin Law. Transcrevo apenas a frase que despertou a minha atenção, o resto devem ir lê-lo directamente à fonte:

"Reports of the typewriter’s death have been greatly exaggerated."

O que é que me agrada nisto? Não sou saudosista ao ponto de querer voltar ao tempo das tiras correctoras e dos travessões para dividir uma palavra em duas linhas, isso nem faria qualquer sentido. Não há ferramenta como o computador.

Mas a máquina de escrever como objecto de culto, de lazer, como um hobby, uma desaceleração, agrada-me profundamente. Por mais que viva na crista da onda das inovações tecnológicas, e que desfrute verdadeiramente delas, a verdade é que dou muito valor à capacidade de desacelerar. Nem que seja apenas enquanto hobby.

Já fazemos isso em tantas áreas: precisamos de chegar cada vez mais depressa aos nossos destinos mas depois gostamos de passear a pé; temos a Bimby e o micro-ondas mas depois vamos até ao sítio mais recôndito para comer um cabrito demoradamente assado; compramos roupa nova só porque se usa mas depois participamos em 'tertúlias de tricot'; descarregamos músicas novas vertiginosamente mas depois adoramos sentar-nos ao ar livre, numa noite de verão, a ouvir a Maria João Pires tocar o velhinho Chopin. E lemos. O acto de ler é, na era da Internet e dos Smartphones e do Twitter e das tops-tudo-e-mais-alguma-coisa, a matriz da desaceleração (em papel, porque em formatos digitais, com links e extras, o efeito não é o mesmo).

Façamos isso, então, também com as teclas. Desaceleremos, de vez em quando. A máquina de escrever obriga-nos a pensar melhor nas palavras que escolhemos. E isso, minhas caras Senhoras, é, provavelmente, aquilo de que mais precisamos nos tempos que correm.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=C2ZDFB7gxLI?rel=0]

O que é que vocês vão fazer para desacelerar neste fim-de-semana?

Beijinhos,

Marta

(este post é partilhado com o meu outro blog)

Comentários

  1. Bom dia Martinha, adorei este post :) Nunca trabalhei com máquina de escrever mas lembro-me de ficar fascinada com a que havia em casa da minha avó, no escritório do meu tio, desde cedo um "estudioso" a valer, rodeado de livros, papéis, dossiers vários (mas tudo muito organizado). Ao centro da secretária impecavelmente arrumada brilhava a máquina de escrever da qual eu, miúda, me aproximava entre o fascinada e o temerosa de estragar alguma coisa (lembro-me que uma vez causei estragos, não na máquina mas numa certa caneta de tinta permanente o que me valeu a fúria do meu tio, na altura um jovem com pouca paciência para criancices da sobrinha).
    Quanto à tua teoria de que aceleramos tanto para depois desacelerarmos, adoro!, estou 300% de acordo. É um paradoxo que por vezes se torna ridículo, nos torna ridículos de certa forma ternurenta. Enfim, adorava “stay and chat” mas tenho que trabalhar. Hoje é o último dia antes das férias  E ainda queria hoje falar-vos do Viajante…a ver se consigo.
    beijinhos

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  2. Bom dia...
    Desculpem a intromissão, mas ao ler sobre máquinas de escrever, não pude deixar de recordar um senhor que conheci no parque de campismo de Olhão, há muitos anos. Chama-se João Pombeiro, tem paralisia cerebral e faz uns quadros maravilhosos apenas recorrendo à máquina de escrever...

    http://joaopombeiro.com.sapo.pt/quadros/Quadros.htm

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  3. Olá, Natacha, qual intromissão? Muito bem-vinda! E obrigada pela dica, gosto tanto que os posts sejam como as cerejas... :)

    Beijinhos!

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  4. Ui, então vai lá, não percas mais tempo. E vê se consegues falar-nos do Viajante, então, queremos muito :)

    Beijinhos

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  5. Olá Natacha querida! Muito obrigada pela "intromissão" e pela partilha.
    Senhoras, a Natacha é minha conterrânea, nascida e criada na Amadora city :) beijinhos grandes

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  6. [...] de “fechar a loja” (já estou de férias, a começar agora a desacelerar) queria deixar-vos, nem que seja assim num relance rápido, as minhas impressões do fabuloso O [...]

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  7. [...] Reler Respirar Sublinhar Turner Ursula K. Le Guin Violência doméstica (e aqui) Wolf, Virgínia Xerox Yves Simon [...]

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