Queridas Senhoras,
Variações à beira de um Lago, a partir do original Duck Variations de David Mamet (em cena nos Recreios da Amadora até 10 de Abril, pelo Teatro dos Aloés) coloca dois homens de certa idade, dois reformados (presume-se), sentados num banco de jardim a trocar impressões sobre isto e aquilo, matando (ou vivendo) o tempo que resta.
Falam para não estar calados que é quem como quem diz, fazem conversa porque para estar silêncio já chega a eternidade. Falam porque é preciso ter um amigo (“todos precisamos de um amigo, todos precisamos de um amigo”, repete às tantas um dos homens incessantemente).
Ora eles falam do que está à vista, do lago, dos barcos e, sobretudo, dos patos. Há um bando de patos selvagens que sobrevoa o lago em direcção a melhores paragens e isso dá pano para mangas. A peça pode ter várias leituras, os patos são uma metáfora, claro, uma ponte na incomunicabilidade, etc. etc., mas para mim teve uma leitura extra, um prazer suplementar.
É o que eu ando a ler um livro sobre patos.
Desde o início do ano que todas as noites leio aos miúdos um capítulo do livro A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia de Selma Lagerlöf (1858-1940). Temos aprendido imenso sobre patos através da aventura de Nils, um menino transformado em gnomo que viaja nas costas de um ganso na companhia do bando de Akka de Kebnekaise, a pata-chefe. E temos aprendido imenso sobre a geografia e a cultura da Suécia, claro, e estamos a planear uma viagem a Estocolmo. De tudo isto ia falar-vos quando chegássemos ao fim do livro que é de facto uma grande empreitada que nos deve levar quatros meses ao todo. Mas não podia estar mais tempo calada.
Ontem, ao assistir à conversa sobre patos entre aquelas duas personagens cheias de ternura e esperança, só me apetecia intervir: “Sabem que os patos dormem com 50% do cérebro acordado?”. Aprendemos isto na quinta pedagógica, no nosso último passeio, e percebemos finalmente porque é que a Akka e o seu bando adormecem de imediato mas acordam ao mínimo ruído.
Enquanto houver livros e histórias e teatro não há incomunicabilidade que resista.
Beijinhos a todas,
Céu
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