Queridas Senhoras,
ontem ainda consegui apanhar os últimos shots da série que as Capazes prepararam para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Senti-me um bocadinho subversiva ao subir para aquele autocarro para ouvir falar de transsexualidade, diversidade, feminismo e media. Mas como alguém dizia (não tenho ilusões), quem estava ali reunido, naquele sítio urbano e cosmopolita tão cheio de hype, era um grupo de mulheres todas “meio burguesas”, educadas, a procurar talvez mais o conforto das iguais do que o confronto com realidades diferentes. Umas privilegiadas, as que ali estávamos. Enquanto tantas mulheres que precisam desesperadamente do feminismo, estavam muito longe dali, se calhar a ser humilhadas, ofendidas, agredidas, ao mesmo tempo em que ali se debatia com um copo de vinho branco na mão.
Sou uma dessas privilegiadas, tive a melhor educação possível, toda a abertura e no entanto…tenho aprendido tanto nestes últimos tempos. Tem-se acentuado a consciência de que a educação e a abertura foram enformadas pela cultura patriarcal e machista. Nunca tinha pensado muito nisto e agora noto que isso esteve presente de tantas e tão variadas maneiras, difusas e subtis, nem sempre explícitas.
Como rapariga branca, de classe média da periferia de Lisboa, heterossexual, com excelente apoio familiar, educação universitária, tive um percurso muito facilitado, muito pouco acidentado. Já a Brenda, uma das oradoras de ontem, desde cedo teve que aprender a lidar com várias diferenças. Uma cor de pele diferente, o peso e a altura diferentes, a sexualidade diferente. Como ela contou com graça, às tantas uma amiga fez-lhe notar: “Já não te chegava seres preta, grande e gorda, agora também és lésbica?”
Num café, o empregado tratou a Brenda por menina. Ela voltou-se e disse: “O senhor não me trate por menina, por favor.”
Sempre achei que o tratamento por menina era uma gentileza. Mas com as Capazes tenho aprendido a questionar o que está por trás das palavras e dos hábitos culturais e sociais mais entranhados. No mesmo café estava um senhor, grande e forte como a Brenda. Não passaria pela cabeça de ninguém tratar esse senhor por menino (excepto se ele for um proprietário rural do Douro ou do Alentejo e a empregada que o criou lhe perguntar “o que é que o menino deseja para o jantar?).
Não será o tratamento por menina o reflexo de uma cultura que fragiliza e diminui as mulheres? Que enaltece as mulheres jovens, que mede o seu valor pela sua capacidade reprodutiva? Menina cria a ilusão de sermos jovens e as mulheres querem-se jovens, doces, submissas. Meninas. Mas por que raio hei-de querer parecer mais jovem, caramba? Tenho 41 anos, sou uma senhora. Da nossa bela idade.
Beijinhos a todas,
Céu
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