Queridas Senhoras,
gostava de recomendar a leitura de A Mulher (The Wife, no original) de Meg Wolitzer. Não é uma novidade mas a primeira edição terá passado despercebida e o recente sucesso do livro Os Interessantes motivou a reedição.
Mal peguei neste livro fiquei deliciada com o estilo, de uma ironia que dá vontade de trincar. A sinopse é muito breve: Joan decide deixar o marido, um escritor de sucesso, após mais de quatro décadas de casamento. Toma a decisão enquanto estão a caminho da Finlândia onde Joe Castleman irá receber o prémio de consagração literária, o maior que pode almejar (é o o Prémio de Helsínquia, uma espécie de Nobel mais fraquinho).
Joan decide deixar Joe porque basicamente está farta de cuidar dele. Joe é um daqueles homens:
“Sabem a que tipo me refiro: aqueles que se anunciam a si mesmos, aqueles gigantes sonâmbulos que vagueiam pela Terra e derrubam outros homens, mulheres, móveis, aldeias”.
Ela está com 64 anos (aquela idade em que é “basicamente tão invisível para os homens como um remoinho de poeira”) mas acha que ainda pode, e quer, ter uma vida própria.
Joan voltará muitas vezes ao tipo de homem que Joe é, um bebé grande, alguém que está simplesmente habituado a que lhe dêem tudo, sobretudo as mulheres. Com a morte precoce do pai, Joe cresceu num mundo feminino, cercado pelos cuidados da mãe e das tias. Cedo aprendeu a perceber como funcionam as mulheres, as transformações que nelas se operam, desde que são uma figura desejável até não passarem de alguém que lhe traz carne assada.
Joan é inteligente, tem talento e sabe-o desde cedo. Por que ficou 40 anos a tomar conta de Joe Castleman? (Como andei meses a ler a Elena Ferrante, é impossível não comparar Joe com Nino Sarratore, o grande amor de Elena, o mulherengo incorrigível, o sedutor compulsivo, menos talentoso que Elena, a narradora da saga A Amiga Genial, que devorei do primeiro ao quarto volumes. Mas isto é só um à-parte porque Joes e Ninos há de facto aos pontapés, na literatura e na vida).
Joan e Joe conheceram-se na universidade, ela aluna, ele jovem professor. Ele andava encantado da vida, a descobrir o seu poder. Ela andava com medo de nunca ser coisa nenhuma.
“(...) iria tornar-me cada vez mais pequena e menos substancial, deixaria de ter o menor interesse para quem quer que fosse, masculino ou feminino e, quando finalmente ganhasse acesso ao mundo, este já não me quereria.”
Estava-se então nos anos 50. Joe andava a treinar com sucesso para dono do mundo, Joan com medo de se tornar insignificante.
“Joe ficou encantado. Que achado! Ao que parecia, o mundo estava cheio de jovens assim, cada uma delas a apurar no seu próprio guisado, todas à espera de serem saboreadas pelos homens que passassem, lhes levantassem a tampa e as cheirassem.”
Joe tem um primeiro casamento falhado com uma rapariga que conhece num café a meio da noite (“homens como Joe iam a cafés vazios a meio da noite simplesmente porque podiam fazê-lo") e mais tarde dirá que a sua primeira mulher era louca. (“Pode dizer-se isto acerca da primeira mulher de qualquer homem e os outros presentes acenarão vigorosamente com a a cabeça.")
Alguma coisa ele deve saber porque afinal irá tornar-se um escritor aclamado pela sua visão sobre o “casamento norte-americano contemporâneo”:
“Os homens eram sérios mas amargurados, as mulheres tristes e encantadoras, as crianças alheadas.”
Um escritor seu amigo (um poeta invejoso) garante que é desta que lhe vão dar o prémio. “Tens esse gene extra, essa sensibilidade para as mulheres. Essa recusa em objectificar o sexo oposto, não é o que dizem de ti?”. “Misturas todo esse feminismo”, aponta-lhe com desdém.
No período que dura a viagem e a estadia em Helsínquia, Joan revive 40 anos de casamento. A descoberta da paixão, o início tumultuoso da vida em comum, o primeiro sucesso literário de Joe, os filhos, os amigos, as viagens, o mundos dos escritores (e das mulheres dos escritores), as invejas, as amarguras, a insaciabilidade de Joe. Por reconhecimento, atenção, sucesso, prémios e mulheres, muitas mulheres. Enquanto isto Joan está lá para cuidar e assegurar que nada se desmorona. E, claro, para servir carne assada, sexo semanal ou segredar-lhe ao ouvido:
“És genial!”
Beijinhos a todas,
Céu
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