Beber uma coca-cola contigo



O Cavaleiro Polaco, Rembrandt, 1655, The Frick Collection

Queridas Senhoras,

é certo que se nos alimentássemos apenas de poesia escrita em português, não morreríamos à fome. Mas este ano apetece-me celebrar o Dia Internacional da Língua Materna a pensar noutros paladares. Como o de uma coca-cola que me foi dada a saborear por Vasco Gato (as suas traduções são nutrientes essenciais).

Não que não pudéssemos desfrutar de Frank O'Hara na sua língua materna, mas o meu coração fala português e hoje é o meu coração que vos fala. Em português. Por causa da saudade.
BEBER UMA COCA-COLA CONTIGO

é ainda mais divertido do que ir a San Sebastián, Irún, Hendaye, Biarritz, Bayonne
ou ficar mal da barriga na Travessera de Gràcia em Barcelona
em parte por essa camisa laranja que te faz parecer um S. Sebastião melhor e mais feliz
em parte pela adoração que tenho por ti, em parte pela adoração que tens por iogurtes
em parte pelas fluorescentes tulipas cor-de-laranja em torno das bétulas
em parte pelo secretismo de que se revestem os nossos sorrisos junto de pessoas e estátuas
custa a crer estando contigo que haja algo tão quieto
tão solene tão desagradavelmente definitivo como estátuas quando diante delas
na morna claridade nova-iorquina das 4 da tarde vamos flutuando de cá para lá
entre um e outro como uma árvore a respirar através dos seus óculos


e a exposição de retratos não parece incluir rosto nenhum, apenas tinta
interrogas-te subitamente por que raio haveria alguém de os fazer

olho
para ti e preferiria olhar para ti do que para todos os retratos do mundo
à excepção porventura do Cavaleiro Polaco uma ou outra vez, que de todo o modo está no Frick
ao qual graças a deus ainda não foste, pelo que podemos ir juntos pela primeira vez
e a maravilha dos teus movimentos como que arruma a questão do Futurismo
tal como em casa nunca penso no Nu a Descer uma Escada nem
num ensaio num único desenho do Leonardo ou do Michelangelo que em tempos me tivesse deslumbrado
e de que vale aos Impressionistas toda a pesquisa a seu respeito
se nunca encontraram a pessoa certa para se pôr junto da árvore ao pôr-do-sol
ou já agora ao Marino Marini se não se esmerou tanto a escolher o cavaleiro
como a escolher o cavalo

parece que todos foram fintados por uma experiência maravilhosa
a qual no meu caso não cairá em saco roto, motivo pelo qual venho falar-te dela

Frank O'Hara
(tradução de Vasco Gato)


Beijinhos a todas,
Marta

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