As verdades de Elena Ferrante



Queridas Senhoras,

Escombros reúne correspondência e entrevistas de Elena Ferrante ao longo dos últimos 25 anos. Isto é, desde a época em que era uma perfeita desconhecida, quando publicou uma história que chamou a atenção (Um Estranho Amor, 1992) até à febre internacional da tetralogia A Amiga Genial e do fenómeno que se gerou em torno do seu anonimato.

A correspondência abrange as cartas trocadas com os editores a respeito da publicação dos livros e de outros textos, e também com dois realizadores que adaptaram ao cinema os dois primeiros livros (o já mencionado Um Estranho Amor e Os Dias do Abandono).

As entrevistas seguem o modelo de pergunta-resposta enviada por email através dos editores e vêm de jornais e revistas de diversos países (está incluída a entrevista de Isabel Lucas para o Ipsilon do jornal Público). Uma interessante ronda de perguntas de ouvintes de um programa de rádio faz também parte dessa secção.

É um verdadeiro manancial de informação, um manjar, um suculento acompanhamento para quem devorou o prato principal (os romances). Se excluirmos o fastidioso tema da sua identidade (que ocupa, inevitavelmente, muitas linhas) sobra, ainda assim, uma riqueza imensa de texto para nos lambuzarmos com o universo da escritora napolitana.

Uma nota curiosa é que a autora pode não querer mostrar o BI mas escancara a alma. Há histórias de infância e adolescência, recordações da mãe, confissões, gostos, partilha de excertos inéditos dos seus livros. Elena conta-nos como é exigente com a sua escrita e como se farta de deitar material fora. Para ilustrar, inclui excertos que não usou explicando porque os recusou.

Umas quantas ideias fortes que me marcaram nesta leitura:

- Elsa Morante é a escritora que Elena mais ama. De forma totalmente devotada. (Recentemente, a Marta partilhou as suas impressões sobre um livro desta autora).

- A referência à mitologia clássica é recorrente. Dido é a heroína mais mencionada.

- A Mulher Destruída de Simone de Beauvoir é outra das menções frequentes.

- A verdade literária é o único objectivo de Ferrante. É preciso despojar o texto de tudo o que seja falso, evitar “as vias expressivas muito usadas”, a que se recorre por preguiça, medo, fraqueza, e narrar apenas a verdade.

- A relação mãe-filha como tema central e fundador de todos os seus livros. O livro onde a autora considera que escavou mais fundo é A Filha Obscura. (Os três títulos mencionados estão reunidos no volume Crónicas do Mal de Amor, da Relógio de Água).

- O amor como sentimento estruturador do indivíduo e das comunidades.

- O feminismo como pano de fundo e catalisador das suas obras. As heroínas de Elena são mulheres modernas, cultas, emancipadas, que enfrentam o abismo e regressam para contar a história. Recusam ser as “infelizes” de antigamente que sucumbiam à tirania patriarcal.

- A luta feminista deve ser constante e cerrada. Podemos perder num ápice tudo o que foi conquistado. Não só estamos ameaçadas pelas violências e tiranias de género mais evidentes, como também pela “ironia amável” do homem culto que desvaloriza as conquistas femininas.

Beijinhos a todas,

Céu

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