Velhos são os outros

Querida Mariana,


não sei se tens acompanhado o mais recente festim dos media portugueses: os velhos que morrem sozinhos em casa. Depois de um insólito caso de uma senhora que só foi descoberta nove anos após ter falecido, agora todos os dias há qualquer coisa mais ou menos remotamente relacionada que tem honras de primetime. Servirá, quanto mais não seja, para lançar o debate. Não, corrijo, a discussão.


«Mas seria pecado aproveitar estas tragédias para falar de qualquer coisa que tenha a ver com política. Porque, já se sabe, falar de política quando se está a falar do sofrimento das pessoas é de um oportunismo inaceitável. Como se não fosse disso mesmo que a política tivesse de tratar.»  Daniel Oliveira no blogue Arrastão.


Em Portugal não se debate, discute-se. Até que o próximo festim aguce o apetite dos opinion makers.



Dorian

Quanto ao assunto sobre a mesa, na minha opinião, assenta numa questão muito mais profunda do que o trabalho, a família, a gestão do dia-a-dia, a falta de tempo, a complexidade dos mecanismos de sobrevivência em meio urbano: a síndrome Dorian Gray. Nós, como sociedade, negligenciamos os velhos porque nós, como indivíduos, não nos identificamos com os velhos. Dizemos "os velhos" como quem diz "os outros". Velhos somos todos nós, em potência. Com sorte, com sorte, chegaremos a sê-lo, de facto.

Ensinar a mortalidade: eis a minha fórmula mágica para formar novas gerações mais humanas. Já dizia o Pessoa, «não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.» E saber isso, saber de verdade, viver com esse conhecimento colado à pele, far-nos-ia pessoas muito melhores, comunidades muito melhores, países muito melhores.


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