Queridas Senhoras,
a fotografia acima foi tirada no final do melhor banho de mar do ano. Era sábado, este último sábado, e já passava das sete da tarde. Este é o sol das sete da tarde de que falava o meu amigo João Menezes.
Já não estávamos de férias, mas ao fim da primeira semana de regresso a Coimbra fugimos de novo para São Pedro de Moel, com a desculpa de que a bicicleta do Francisco ficara esquecida em casa da avó. As previsões meteorológicas não eram animadoras. Ainda assim, voltei a empacotar as toalhas e os fatos de banho. E em boa hora o fiz.
Quem conhece São Pedro, sabe que ali as previsões meteorológicas têm pouca credibilidade. Há qualquer coisa naquele pinhal, naquele mar, naquelas rochas, que tem vontade própria e se sobrepõe à matemática das frentes frias e dos anticiclones. São Pedro de Moel é imprevisível e volta a sê-lo três horas mais tarde e outra vez passadas mais três horas. Num só dia, podemos ali testemunhar uma mão cheia de paisagens distintas.
Um nevoeiro assim, por exemplo, é capaz de demover os estreantes nestas andanças. O sinal de trânsito da fotografia poderia muito bem dizer 'excepto conhecedores', pois quem sabe, sabe que debaixo daquele manto se escondem promessas.
Digamos que se encarregava alguém de divulgar todas as manhãs o estado do sítio. Se as fotos fossem dissuasoras mas, ainda assim, houvesse quem arriscasse ir ver com os próprios olhos e lá encontrasse um dia convidativo, bastaria ao divulgador de serviço retorquir à boa maneira de Turner: «My job is to paint what I see, not what I know is there.»
Turner teria adorado São Pedro de Moel.
Este ano aconteceu-me qualquer coisa que ainda não sei bem definir e que tenho até algum pudor em admitir. São Pedro de Moel foi, para mim, durante os últimos dez anos, um simpático substituto da 'minha' praia, o Guincho. Mas aconteceu-me qualquer coisa este ano. Não sei se foi do nevoeiro, da subida ao farol, do recital de poesia - com Inês Fonseca Santos e Filipa Leal-, do perfume morno e adocicado do pinhal, da bolacha americana, das noites (inacreditavelmente) amenas, da maneira como o Francisco ali pertence de coração, não sei se veio de fora ou se nasceu cá dentro. Aceitámo-nos um ao outro. E agora somos irremediavelmente um do outro.
Talvez seja da tardia idade.
«Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.
Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.»
(Regressos, in Como se desenha uma casa, de Manuel António Pina)
Manuel António Pina teria (terá?) adorado São Pedro de Moel.
Beijinhos grandes,
Marta
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