Clara em castelo



Queridas Senhoras,

com uma tarde de chuva destas, apetece fazer como a Clara de Aquarius e ficar ouvindo Maria Bethania. («Lhe dê Maria Bethania, mostre que você é intenso».). Com diz o Joel na crónica de hoje, apetece entrar «numa bolha de lentidão» e fazer coisas meio anacrónicas como escutar um hit de Roberto Carlos.

Há muito tempo que um filme não me enchia tanto as medidas. Aquarius tem a familariedade das novelas brasileiras, aquela coisa absurda da divisão de classes (apropriadamente, o que separa a zona rica da zona pobre, é um cano de esgoto na praia) e o tom de um grande clássico, capaz de agarrar e fixar um tempo, que é o nosso, em que o vinil é vintage mas outras coisas são só velhas e ultrapassadas, não adquiriram estatuto retro.

Clara é uma rainha no seu castelo, um edifício baixo e antigo chamado Aquarius que a construtora quer demolir para levantar uma torre dessas que ensombram a praia. Há um betinho que fez «business» nos Estados Unidos, um «cara de merda» que é só um dos tubarões que vêm acossar Clara em seu castelo. Ah, ideia brilhante a dele, chamar Aquarius ao novo edifício para preservar a memória. É meio vintage.

Haverá presa mais fácil para os tubarões do que uma mulher viúva, aposentada, sozinha? O que se espera de uma sexagenária se não que obedeça aos conselhos dos filhos, dos amigos, do salva-vidas da praia e pense na sua segurança? Não entre no mar que tem tubarão. Saia logo desse prédio que não tem vigilância.

Clara pode até já ser avó mas é um mulherão. Ela pode até já ter tirado um peito mas é uma deusa no fato de banho preto com que entra no mar todos os dias, nas túnicas soltas com que descansa na sua cama de rede, na saia elegante que escolhe para ir dançar com as amigas e atrai o olhar do tipo mais charmoso do baile.

«Você gosta de Mp3?», pergunta a jornalistazeca, sobrinha do editor, que vai fazer uma matéria sobre Clara, antiga crítica de música do jornal. Quem quer saber de Mp3 quando pode chegar em casa, depois de um flirt não tão bem sucedido como isso, colocar Roberto Carlos no gira-discos, um LP bem velhinho (quase dá para sentir o suor dos corpos que amaram ao som daqueles vinis) e ficar dançando no escuro, soltando aquele cabelo negro, imenso?



Beijinhos a todas,

Céu

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