Queridas Senhoras,
tenho apenas uns breves minutos para dar conta do dia de ontem na Festa do Livro da Amadora. Os debates foram excelentes e enriquecedores. Ana Margarida Carvalho e Nuno Costa Santos, à tarde, sobre Os portugais dos escritores, numa conversa magistralmente moderada por Rui Lopo.
À noite, uma belíssima surpresa, um casal de escritores brasileiros que eu não conhecia, Heloísa Seixas e Ruy Castro. Ele acaba de lançar em Portugal O Anjo Pornográfico, uma biografia de Nelson Rodrigues. Ela escreveu O lugar escuro, sobre os longos anos em que acompanhou a mãe, doente de alzeihmer.
Ruy e Heloísa são dois conversadores maravilhosos, podíamos estar horas a ouvi-los. A eles se juntou o nosso bem conhecido Valério Romão para falarem de Literatura e memória. Um verdadeiro luxo, é o que vos digo.
Não digo que o melhor ficou guardado para o fim porque tudo me encheu as medidas. Mas a noite terminou com a actuação do grupo de Valério, Belos, Recatados e do Bar, com interpretação de poemas, numa performance acompanhada à guitarra. Estão a ver aqueles eventos de poesia que estão na moda nos bares do Cais do Sodré? Foi isso mas na Reboleira.
Um dos melhores poemas foi este de Bukowski, numa tradução de (adivinhaste, Marta) Vasco Gato. Parece que ontem foi a primeira noite fria.
uma definição
o amor é uma luz
que atravessa de noite o nevoeiro
o amor é uma carica
pisada a meio do caminho
até à casa de banho
o amor é a chave perdida da tua porta
quando estás bêbedo
o amor é o que acontece
um ano em dez
o amor é um gato esmagado
o amor é o velho ardina
parado na esquina que
largou a profissão
o amor é o que tu achas que a outra
pessoa destruiu
o amor é o que desapareceu no
tempo dos couraçados
o amor é o telefone a tocar,
a mesma voz ou outra
voz mas nunca a voz
certa
o amor é traição
o amor é o fogo que consome
os sem-abrigo numa viela
o amor é aço
o amor é a barata
o amor é uma caixa de correio
o amor é chuva a cair no telhado
de um velho hotel
de Los Angeles
o amor é o teu pai num caixão
(que te odiava)
o amor é um cavalo com uma pata
partida
a tentar levantar-se
perante uma assistência
de 45.000 pessoas
o amor é o nosso modo de cozer
como a lagosta
o amor é tudo aquilo que dissemos
que ele não era
o amor é a pulga que não consegues
encontrar
e o amor é um mosquito
o amor são 50 granadeiros
o amor é uma arrastadeira
vazia
o amor é um motim em San Quentin
o amor é um hospício
o amor é um burro parado numa
rua de moscas
o amor é um banco vago ao balcão
o amor é um filme do Hindenburg
a encarquilhar-se em pedaços
um instante que continua a gritar
o amor é o Dostoiévski a dar
à roleta
o amor é o que rasteja
pelo chão
o amor é a tua mulher a dançar
agarrada a um desconhecido
o amor é uma velha
a roubar um pedaço de
pão
e o amor é uma palavra usada
demasiadas vezes e
demasiado
cedo
Charles Bukowski
(tradução de Vasco Gato)
Beijinhos a todas,
Céu
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