A literatura veio ao subúrbio



Queridas Senhoras,

em exclusivo para o Senhoras da Nossa Idade, partilhamos as primeiras impressões da Festa do Livro da Amadora, um evento tão recheado de estrelas do firmamento literário que chegámos a temer cancelamentos de última hora. Gostamos sempre de assistir a debates interessantes mas há uma emoção acrescida quando as sumidades se deslocam à nossa terra. Uma espécie de orgulho misturado com receio e ironia. E se não aparece ninguém? Habituados à centralidade da Fnac Chiado, do São Luiz e do São Jorge e agora vêm desterrados para a Reboleira. Ah ah ah.

Confirmamos que sim, José Mário Silva e Pedro Mexia, o fidalgo (carinhoso cognome atribuído pelo autor da página ILoveAmadora) estiveram mesmo à conversa na Biblioteca Municipal Piteira Santos. Isabel Alçada cancelou, de facto, à última hora mas por uma questão de saúde (sem gravidade). No lugar de moderador esteve João Luís Lisboa, professor catedrático da FCSH-Nova.

Plateia repleta para ouvir estes ilustres discorrer sobre o tema As bibliotecas hoje. Muitos louvores à rede pública de bibliotecas, lugares que exercem um fascínio compreensível. Belos edifícios, bem localizados, com programação cultural, funcionando nalguns casos como principal (e único) pólo cultural da terra.

Tal como os livros, as bibliotecas consolam. É bom saber que estão lá, sólidas, sábias, constantes, um tanto à margem da vertigem tecnológica. À volta delas criam-se e consolidam-se comunidades de leitores, é lá que muitos reformados vão ler o jornal pela manhã e as crianças vão escutar a hora do conto, conhecer escritores, ganhar gosto pela leitura.

JMS dizia que as crianças são um público relativamente fácil de conquistar, os adolescentes é que são terríveis. E PM confirmou que as suas presenças em escolas são sempre desastrosas, ao contrário das conversas venturosas em bibliotecas. Entre os 12 e os 20 anos há um buraco negro, afirmou-se, e o que pensei foi como é possível atravessar a adolescência sem livros. Quer dizer, já não é mau o suficiente ter 13, 15 ou 17 anos? Ainda temos que passar por isso sem o consolo da literatura?

Se o consolo é fraco, dependerá dos leitores e das ocasiões. Mas por vezes, como disse PM, nem é preciso abrir os livros. Basta olhar para eles, saber que lá estão. E citou-se uma passagem de um filme de César Monteiro em que alguém chega de carro a uma localidade e pergunta onde é que pode encontrar uma Divina Comédia.

- Ora bem, vai sempre em frente, chega â rotunda e vira à direita.

Saber que podemos contar com os livros (e com as bibliotecas) é apaziguador. A quem acha que a literatura tem pouco para oferecer porque não tem relação directa com a sua vida, PM costuma replicar que não tem nada a ver, claro, desde que a pessoa não tenha pais, filhos, paixões e emoções em geral. Talvez se viver num vácuo absoluto a literatura não tenha nada a ver consigo. E ainda assim…

No debate da noite, a jornalista Catarina Gomes moderou a conversa sobre Literatura, Artes e Suburbanidades, entre o músico Kalaf Epalanga, o escritor João Ricardo Pedro e Jakilson Pereira, da Associação Moinho de Juventude da Cova da Moura.

Falou-se da cultura dos subúrbios enquanto geradora de identidade(s) e motor da criatividade. Mencionou-se essa estranha mistura de vergonha e orgulho de quem vem dos subúrbios.

Quando tomamos consciência da nossa suburbanidade, ou seja, quando começamos a ter mais contacto com o centro, podemos sentir que queremos sair rapidamente daquele “buraco” e pertencer ao centro, à grande cidade. Ou também pode acontecer que comecemos a desenvolver um inexplicável carinho pelo nosso subúrbio. E que surjam reacções de orgulho exacerbado quando “um dos nossos” assume grande protagonismo, seja uma banda que conquista palcos internacionais, um escritor que ganha prémios ou o director de um teatro nacional.

Discutiu-se ainda a necessidade de melhorar o marketing dos subúrbios. Quem trabalha melhor a sua imagem, a Amadora ou a Margem Sul?

Só não vale responder “venha o diabo e escolha”. Vocês não querem arranjar problemas com a malta dos subúrbios.


Beijinhos a todas,

Céu

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