Outra vez Domingo

Queridas Senhoras,

tenho pensado que gostaria de voltar a escrever regularmente no blogue. Recuperar o espírito inicial das conversas e partilhas. Sei que é difícil comprometermo-nos com rubricas regulares, mas também sei que, havendo um compromisso prévio, é menos provável falhar. «Outra vez domingo» é a minha tentativa de me comprometer com uma crónica domingueira.

A intenção ia sendo gorada porque fui ao teatro e a peça durou perto de quatro horas. Fiquei sem tempo e com a desculpa perfeita para não arrancar hoje. Mas isso seria um péssimo começo. Além disso, essa mesma peça dá-me o tema perfeito para esta primeira crónica.

Última Hora, com texto de Rui Cardoso Martins, fala da ameaça que paira sobre um jornal centenário, em risco de fechar caso não ceda ao clickbait, esse engodo estupidificante que faz disparar cliques e indignações. A peça coloca-nos em plena redacção onde vamos encontrar os tipos mais característicos da imprensa diária. O director aguerrido mas algo debilitado pelo whisky e pelos fritos do bar da esquina (o Serôdio), a directora-adjunta marxista, graças a Deus, o editor de Cultura viciado em citações, a secretária de redacção, enfermeira e cuidadora, a estagiária das redes sociais, a estagiária com autêntico faro jornalístico que faz crónica de tribunal e assina RCT, o repórter de guerra batido com o colete cravejado de emblemas e, claro, o administrador CEO, um beto passado dos cornos (são os piores). 

É uma comédia dramática sobre a imprensa, as relações laborais (há muito que os trabalhadores passaram a colaboradores), o modo como consumimos informação hoje ou somos consumidos por ela. Como compradora de jornais em papel, senti-me do lado dos jornalistas dinossauros e muito distante das stories do Instagram. Como leitora, senti-me entusiasmada com o texto, cheio de referências à história dos jornais, à literatura e ao pensamento. Para ver no Teatro Nacional D. Maria II até 15 de novembro. 


Hoje é Dia internacional da Rapariga. Tinha pensado falar nisto antes de ter ido ao teatro, e não sabia que os dois assuntos podiam estar relacionados, mas estão. Na peça, uma das notícias escabrosas que faz subir as audiências do jornal tem a ver com uma rapariga apanhada numa situação complicada, muito à semelhança do que aconteceu recentemente num comboio. Este episódio põe em evidência outra das características da actual forma de produzir, consumir e comentar informação, que continua a ser extremamente penalizadora para as mulheres, atingindo níveis de agressividade, violência e perversão assustadores.


Até para a semana,

Céu


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