Queridas Senhoras,
chamei a esta rubrica «Outra vez domingo» não só porque o tempo passa cada vez mais rápido, mas também porque a cada domingo, muitas vezes, ficamos com a sensação de que mais uma semana se passou e não fizemos nada jeito. O fim-de-semana também fica aquém do esperado, e agora mais ainda. Com a desculpa da pandemia, vamos adiando encontros, filmes, saídas, planos. Após um verão em que conseguimos apanhar ar e sair do casulo (inédito: até jantei com a senhora Marta em Coimbra!), sinto que estamos a voltar ao isolamento. E o Inverno ainda nem sequer começou. Vou somando jantares cancelados e perdendo as amigas de vista.
Segunda-feira
Há várias semanas que segunda-feira é para mim sinónimo de Handmaid’s Tale. Acompanhar esta série é mesmo um dos pontos altos da semana. Entretanto comecei a ler Não Serei Eu Mulher, de Bell Hooks, sobre as mulheres negras e o feminismo. O enredo da série e os testemunhos do livro ressoam de forma perturbadora. A distopia de Atwood empalidece perante as descrições de sexismo e racismo no período da escravatura e pós-escravatura.
Terça-feira
O brilho nos olhos da minha filha quando fala das aulas de Filosofia. Hoje ia-se esquecendo de levar o texto pedido pelo professor. Não acompanho muito a Matemática ou a Biologia, confesso. Mas não há referência às aulas de Português ou Filosofia que me escape. Como, que texto? Alegoria da Caverna.
Quarta-feira
A app domina as conversas. Remeto-me a um prudente silêncio, evitando assumir que não uso, nem nunca instalei, aplicação alguma.
Quinta-feira
Faço yoga diariamente com a Adriene. Sigo as séries de 30 dias. Arrisco dizer que nunca gostei tanto de yoga.
Sexta-feira
Reservamos para hoje um dos Poirot do especial da Fox Movies, Morte ao Sol. Para o fim-de-semana temos os DVD da Twilight Zone original, já que os novos episódios não convencem os miúdos da loucura que era para nós esta série.
Sábado
Leio na crónica do Tolentino Mendonça no Expresso acerca de um livro de Emily Dickinson, Poemas Envelope (Edições do Saguão). Vou no comboio, a caminho do Rossio, e quando chego sigo direita à Letra Livre. As probabilidades de conseguir o volume nesta livraria são altas e assim é. Este livro, quero oferecê-lo à Marta. Não só porque temos uma história comum com Emily Dickinson (foi a primeira autora que estudámos no curso de American Modern Poetry que ela me ofereceu em 2012, e julgo que nasceu aqui a minha vontade de voltar de estudar e tudo o que se seguiu), mas por todas as razões. Porque é um volume precioso, repleto de leituras, em que a materialidade dos envelopes, reproduzidos nas páginas, causa um estremecimento. Espero que a Marta possa usar este singular objecto no seu Clube de Letras.
Vou descendo a Calçada do Combro com o livro na mochila e pensando como é feliz este momento em que passeio livre na tarde quente de Lisboa, andando por onde quero, livre de me sentar numa esplanada a ler a Emily Dickinson, de cruzar as ruas à procura da próxima nesga de rio. É uma normalidade prodigiosa, mas não banal. Nunca achei que fosse banal. Não preciso de uma pandemia para reconhecer o gozo de descer a calçada lisboeta a caminho de um poema.
Há quem
seja fútil
de propósito
e
profundo
por
mero acaso
Emily Dickinson, in Poemas Envelope
Até para a semana,
Céu
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