As sugestões de... Paula Cardoso



As sugestões de Paula Cardoso*

2021 marca pouco mais de 48 horas quando escrevo estas palavras, adiadas desde o final de 2020. Apesar de ter desconseguido cumprir o prazo a que me propus para as publicar, encontro tranquilidade na relação extra cronológica que o ano passado – mais do que qualquer outro – me desafiou a criar com o tempo. Enquanto isso, componho o calendário emocional das minhas memórias, e constato que o meu 2020 não cabe nos seus 366 dias. Celebro essa dilatação de vida, e desejo que 2021 siga abundante e de agenda aberta para novos mundos. Partilho convosco um pedaço do meu, em jeito de roteiro cultural, com uma mão-cheia de propostas:

Livro

Fragilidade branca – Porque é tão difícil para os brancos falar sobre racismo

Aviso: esta recomendação pode ferir a sensibilidade dos leitores que não vêem cores, mas apenas pessoas, e que consideram que falar de raças é racista. 

Não é o meu caso porque, como mulher negra, não gozo desse privilégio de não ver cores – desde a primeira infância ficou claro que a minha negritude me retirava direitos. Para começar, o de me ver representada nos livros que lia. Mais recentemente, a partir do meu envolvimento na luta anti-racista, apercebi-me da dificuldade de debater racismo com a generalidade das pessoas brancas com que me cruzo. O livro Fragilidade branca – Porque é tão difícil para os brancos falar sobre racismo, lançado em Portugal pela Edita_X, ajudou-me a perceber os mecanismos – tantas vezes inconscientes – por detrás dessa resistência branca ao diálogo. Embora a obra esteja centrada na realidade americana, ela espelha múltiplas semelhanças com a sociedade portuguesa. E, garanto-vos, isso não é pura coincidência! 

Clube do livro feminista

Ler 12 livros em 12 meses é o desafio proposto pelo Heróides – clube do livro feminista, projecto online desenvolvido pela Cassandra, estrutura de criação artística fundada em 2020. A convite da sua directora artística, Sara Barros Leitão, 12 pessoas, grupo onde me incluo, indicaram um livro com o qual se identificam, e que vai compor o catálogo para um ano de leituras e discussões. As escolhas serão debatidas no último sábado de cada mês, em encontros Zoom – de acesso livre, mediante inscrição –, e sempre com interpretação em Língua Gestual Portuguesa. O livro de partida, para debater a 30 de Janeiro, intitula-se Corpos na trouxa - Histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio, e foi proposto pela autora, Shahd Wadi.

Espectáculo

Sempre que acordo, de Lara Mesquita

Sempre que acordo é um espectáculo teatral que propõe um despertar colectivo para o racismo estrutural presente na sociedade portuguesa, a partir das vivências da autora, Lara Mesquita. “Antes de ser qualquer outra coisa, sou mulher negra. Sempre que acordo, pela manhã, tenho de lutar pela minha existência ao impô-la. Este espectáculo é sobre isso”, antecipa a sinopse. Além de assinar o texto, que será apresentado em formato de conferência-performance, Lara assume a encenação e divide o palco com a actriz Cirila Bossuet. Podemos vê-las no Centro de Artes de Lisboa, de 21 a 31 de Janeiro. Pode seguir o espectáculo no Instagram.

Ciclo de conversas 

Cidadania, porque sim! 

Em tempos de extremismos e populismos, reafirmar a importância da educação para a cidadania nunca é demais. E é isso mesmo que o Museu do Aljube Resistência e Liberdade se prepara para voltar a fazer, com o Ciclo de Conversas “Cidadania, porque sim”. O programa inicia-se a 27 de Janeiro, em formato presencial e streaming, e vai ouvir especialistas, partilhar reflexões e inquietações, rumo ao fortalecimento do compromisso democrático. Inadiável. Pode consultar o calendário das sessões e as condições de acesso no site do museu.

Televisão 

Bridgerton, Netflix

Conhece o lado africano da Coroa Britânica? A série Bridgerton, da Netflix, apresenta-o, ao retratar a Rainha Charlotte como uma mulher negra. Embora este traço identitário esteja longe de ser consensual – os historiadores não se entendem sobre a pertença étnica da Rainha Charlotte –, a produção de Bridgerton, com a assinatura de Shonda Rhimes, assume-o sem hesitação. A série, que estreou no final de Dezembro, é baseada nas obras da escritora americana Julia Quinn, e retrata a aristocracia inglesa de uma forma ineditamente diversa: com brancos e negros. Todos donos e senhores da sua majestade.

*Paula Cardoso é fundadora do site Afrolink, que une e promove profissionais africanos e afrodescendentes, e divulga projetos e negócios de propriedade negra, também é autora da marca Força Africana, que busca trazer uma maior representatividade negra à literatura infantil.


Comentários