Dias do nosso isolamento

Ilustração: Alice Gomes

Queridas Senhoras,

outra vez domingo, o primeiro que vos escrevo em isolamento profiláctico. Estou a tentar desde dia 14 inscrever-me para o voto antecipado em confinamento, mas não estou a ter sucesso. Continuarei a tentar até à meia-noite, o prazo termina hoje, espero que o sistema ainda possa aceitar esta eleitora confinada. Façam figas! Há uma hipótese remota de poder votar presencialmente no dia 24, mas não posso nem devo confiar na sorte. Seja como for, conto convosco! Votem muito, votem bem, votem por mim, se eu falhar!

Cá por casa vivemos o isolamento profiláctico com tranquilidade e muito conforto, cuidados e mimos, sobretudo as deliciosas refeições quentes que nos chegam, não pela Glovo, mas pela gloVó. É que os pratos da avó resgatam qualquer quebra de apetite, perda de paladar ou olfacto. Já os da mãe, credo... às tantas ainda agravam os sintomas.

De resto, conversamos, parodiamos (e embirramos, claro). Rodeamo-nos de leituras, jornais, revistas, livros. Estendo o tapete de yoga na marquise, onde o Sol bate de chapa, e leio até me dar o sono. Partilho artigos com a Alice. Mostrei-lhe a crónica do Luís Pedro Nunes sobre a Geração 'Cringe'. Para quem anda arredado destas modas: 'cringe' refere-se a uma vergonha alheia exacerbada, um embaraço extremo. Algo muito típico da adolescência, mas que parece ter-se tornado marca desta geração, e agora agravado pelo distanciamento da pandemia. Tudo provoca vergonha, tudo é estranho (este é o termo de eleição dos meus filhos).

É bom trocar ideias com eles, explicar o que significa a onda dos lábios vermelhos, falar sobre estas eleições, o que representam, o que está em causa. É difícil abarcar tudo, tentar resumir e traduzir a complexidade do que se passa. Vou lendo aqui e ali, ouvindo sempre boas conversas (Botequim na TSF tem sempre excelentes temas e convidadas), não perco uma crónica do António Guerreiro (dá para ficar pouco descansada com "a hipótese da disposição universal da espécie humana para a psicose"), gosto de ler a Clara Ferreira Alves, apesar de saber que cada crónica vai deixar-me angustiada, e para ficar menos, gosto de ler e ouvir o Rui Zink. Enquanto me restarem neurónios não desistirei de ler e tentar compreender. Compreender, por exemplo, a raiz profunda do ódio às mulheres e como isso é marca de todos os fascistas. Quero compreender para estar mais bem preparada para a luta, para não me deixar anestesiar, e não vejo outra forma de fazer isso a não ser rodear-me de mais leituras ainda, mais conversas com pessoas válidas, falar mais com os miúdos sobre política, valores, democracia. 

E a propósito de leituras, não é de mais relembrar que as livrarias estão abertas ao postigo, é possível encomendar livros e ir buscar ou receber em casa.

Até para a semana,

Céu

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